fbpx

UM POUCO DO PAI FERNANDO – por Rogério Scheibe Filho

Tive o azar de conviver apenas cerca de 4 anos com o Pai Fernando.

Alguns de vocês irão achar estranho que no texto vou escrever apenas Fernando, mas isso se justifica, pois faço parte da família e tive sorte de ter sua amizade.
O conheci, ainda na época chamando de Pai Fernando, na descida dos fundos do Terreiro do Pai Maneco, enquanto ele caminhava para dar início a mais um girão da tradicional festa “Não Bata a Cabeça a Toa”, no ano de 2008.
Minha mãe, que foi cambone do Fernando, me apresentou, pois queria pedir autorização para fotografar o evento.

Ele me olhou e disse:
-Filho da Joyce? Pode entrar na gira sim!
Eu, que fui por um convite de uma amiga para fazer algumas fotos, já era médium ativo da corrente.
O Fernando, que a maioria conhece, foi uma pessoal com várias características marcantes. E a que, na minha opinião, foi a mais importante é a liderança nata. Quando me refiro ao líder, essa palavra se divide em vários outros adjetivos, que fazem parte da composição de um líder: seriedade, dignidade, respeito, sabedoria, “paciência”.
Mas paciência?
Sim, talvez aqueles, que não tiveram um contato tão próximo a ele não vão entender. Como um filho verdadeiro e característico filho de Ogum tem essa paciência?

Posso dizer, que nesses 4 anos pude ver, escutar histórias e até confissões de coisas que o incomodavam, mas nem sempre o rompante de nervosismo era imediato.
Imagine você, um líder de um grande grupo, que passa muitas horas de sua vida escutando problema dos outros, tendo que aconselhar, ajudar a resolver, administrar um terreiro, responder infinitos e-mails, ser questionado das maneiras mais justas e injustas e ainda ser marido, pai, avô, tio, irmão e também líder da família.
Dá pra entender agora como ele era paciente?

Certa vez eu estava em uma gira de desenvolvimento ou um bate papo informal com ele e um grupo, não tenho certeza oque era, mas fiz uma pergunta acerca dos espíritos trevosos. TOMEI UM BRONCA!
“Aqui não se fala trevosos, são espíritos sem luz, espíritos que precisam ser encaminhado e precisam de ajuda. Não quero essa palavra!”
Nossa, na hora fiquei nervoso e ainda pensei: vou voltar dirigindo sozinho com ele e vou tomar mais bronca.
Entramos no carro totalmente calado e ele falando de qualquer outro assunto. Do nada o Fernando olha pra mim e pede desculpas por ter me dado a bronca.
-Olha desculpe, mas preciso ser justo e tratar todos iguais. A bronca serve para todos e não é nada pessoal.

Ufa!

Outra passagem bastante curiosa e que de certa forma será sempre atual, é ver as pessoas comentando a falta que o Fernando faz. Exemplos e belas passagens pela espiritualidade, conselhos diversos, uma bronca que foi tão especial que a pessoa não esquece, um história, uma foto, um sorriso. A curiosidades desses fatos é ver os familiares de sangue tendo que conformar os amigos, filhos de terreiro ou mesmo uma pessoa que leu o Grifos do passado.
-Sabe Camila, seu avô era uma pessoa especial, era a pessoa com o maior conhecimento de Umbanda que já vi, temos até os mesmos nomes Fernando de Ogum. Parabéns pelo avô!
Essa foi uma passagem muito recente (abril de 2016) e essa pessoa, que encontramos em uma loja de Umbanda, ficou com os olhos marejados com tão poucas palavras e breves lembranças.

Talvez o mais exótico, que posso escrever sobre nosso eterno líder é uma breve descritiva do seu velório.
O caixão estava fechado, pois não sabíamos ao certo a doença, que havia levado o Fernando, que certamente está na Aruanda. Para se ter um ideia da complexidade do assunto existia a suspeita de vaca louca, a qual foi descartada após exames. Mas, estávamos lá no dia.
Eu, pela primeira vez na vida acordei sem voz, muito pelo estresse de ajudar no cuidado diário do meu amigo, muito pelo estresse de perder uma pessoa extremamente querida.
Aos poucos as pessoas chegavam e em uma das capelas do Cemitério Municipal de Curitiba passara, sem exageros, milhares de pessoas. Amigos, familiares, pessoas do terreiro, desembargadores, políticos, jornalistas e uma lista sem fim de nomes e mais nomes. Os sons do atabaque não paravam e um velório único foi feito naquele dia.
Nada mais justo, pois na alegria da Umbanda um líder como ele não poderia ter uma despedida carnal de forma triste e melancólica como é comum em nossa sociedade. As lágrimas do dia eram uma mistura de tristeza, vazio, recordações e muitas boas memórias.
Se você é um médium do TPM e não conheceu essa figura maravilhosa aproveite as histórias que os mais antigos podem contar, leia, releia, devore os texto e passagens que estão no site do terreiro. Não há melhor forma de conhecer o Pai Fernando e aprender Umbanda Pés no Chão.
Fizemos muitas coisa juntos nesses anos e posso dizer que me orgulho em ter o Fernando como meu Pai de Santo e meu amigo. Sinto ele não estar encarnado quando me casei com a Camila, mas acredito que ele ficou muito satisfeito.
Um dia queria uma gira de conversa com ele, mas será impossível pois a fila de médiuns e assistência para dar um abraço e ter uma conversa seria simplesmente impossível de controlar.

Rogério Scheibe Filho

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.