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O SOM DE IANSÃ E AS NOVAS GRAVAÇÕES DA ENGOMA

Gosto de caminhar de manhã, pois não apenas afasto os problemas cotidianos como também converso comigo mesma. Entoo pontos em silêncio e costumo pedir orientação acerca de como devo agir durante o resto do dia. Parece que uma das qualidades humanas é o desejo de aprimoramento: todo mundo quer melhorar. Eu peço pra me tornar uma pessoa mais calma e tenho me esforçado para ouvir melhor.
Depois de ouvir a gravação dos quatro pontos novos da Engoma pensei que realmente a gente gosta de melhorar, de executar determinadas tarefas com habilidade crescente. O profissionalismo das sambas é admirável pois, sem perder a carga de emoção que as caracteriza, deleitam-se com a clareza e a qualidade dos atabaques. Rum, rumpi e lé, em harmônica simplicidade, batem pro Santo, salvaguardando a tradição ritualística da conexão com a espiritualidade.
Atabaques, palmas e voz, elementos habituais de uma gira de Umbanda, estão presentes também nas gravações. O ponto novo da Engoma é austero: curto e fácil de decorar. Ao ouvi-lo não pude deixar de sorrir diante da percussão. Percebo no trabalho do estúdio a suavidade que sempre almejei ouvir. Compreendo que é possível prezar a excelência da performance da Engoma tanto no trabalho espiritual, com suas demandas e necessidades específicas, quanto no trabalho material, o de divulgar a Umbanda pé no chão e/ou feijão com arroz que Pai Fernando nos legou.
Confesso que é a oportunidade para decorar o ponto de Cura do Caboclo Seu Sete Ponteiras do Mar, que é difícil mesmo, pois o trecho “Ogum, Iemanjá, Ogunhê / Iemanjá e Ogum, Odoiá” é quase impossível para mim e creio que para outras pessoas também. Mas a partir do momento em que a Mãe Lucília recebe o Caboclo Akuan e ele afirma que a Cura do Seu Sete Ponteiras do Mar deve ter a mesma força da Cura de Akuan, não dá pra deixar de sabê-lo de cor. O ponto assume outro estatuto e reitera a importância dos processos de cura no Terreiro.
O ponto da Falange de Mulambo tem uma alegria genuína e a felicidade na voz da Adriana Batista em Nas matas de Oxóssi é notável. Na tentativa de evitar o erro de me exceder em adjetivos, lembro que os depoimentos das autoras enriquecem ainda mais o teor de cada canção e são material imprescindível para a compreensão de cada um deles. Vale pontuar também que são eles os mais acessados recentemente no site do Terreiro.
Creio que em função da atenção que dedico ao som dos atabaques, desta espécie de zelo que costumo dirigir à Engoma, recebi um presente dos Orixás. Pensando sobre o que escrever acerca das gravações dos novos pontos, ouvi uma voz afirmar que percussão boa está no encontro de Oxóssi com Iansã. Presto atenção ao meu entorno e percebo que o forte vento da manhã, ao atravessar eucaliptos faz um tipo de som, quando passa por plátanos é um som diferente e ao atravessar palmeiras é outro som ainda. Diálogos infinitos são criados pelas forças da natureza. Diante desta espécie de revelação, lembro da simplicidade que rege a Umbanda.
Ouso pensar que a Terra é um grande instrumento de percussão e que os sons da natureza executam uma eterna sinfonia que nós esquecemos de valorizar. Para referenciar esta hipótese, lembro do aum, mantra primordial que permeia o universo desde sua origem, segundo a tradição oriental. Acima de tudo, agradeço a esta voz, que me fez lembrar que a força da música vem dos Orixás.
Acostumada a pensar no canto da sereia, profundo e intenso como as águas de mares e rios, aprendi a ouvir o canto de Iansã: ele é entoado nas alturas, ligeiro e fugás. Num ensaio sobre música, nada mais justo e simples do que enfatizar a importância de aprender a ouvir e a necessidade de nos ancorarmos nas forças da natureza enquanto fonte de inspiração.
O canto dos Orixás é um canto que reverencia a natureza terrestre. Sabendo das difíceis condições em que a Terra se encontra, indago se a música pode contribuir para a melhoria da vida no planeta. Talvez seja isso que os Orixás querem de nós: cantando com este amor que percebo nas novas gravações, tenho certeza de que estamos melhorando cada vez mais rumo ao cumprimento de nossa missão.

Cristina Mendes
Março de 2016

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