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A Gira de Desenvolvimento

Hoje, depois de alguns dias passados, ainda carrego comigo a sensação de
dever cumprido e de deslumbramento pela gira de desenvolvimento de quinta
passada (09/07/15).
Antes de começar a descrever os motivos que me deixaram tão contente, no
sentido amplo e irrestrito da palavra, gostaria de agradecer, em público,
minha mãe de santo, mãe Denise de Ogum, pelo cuidado, pela atenção, pelo
carinho demonstrado para com toda a corrente.
Em algum lugar da minha cabeça, desde que acordei, eu tinha a certeza de que
o desenvolvimento seria de Pretos Velhos. Este pensamento ficou martelando o
dia inteiro. Mas o desenvolvimento foi de caboclos… E não sei qual a
ligação disso com tudo que aconteceu, mas só no finalzinho eu descobri.
Cheguei no Terreiro e estava já “em cima da hora”, como sempre, pois
não sei o que tenho que sempre chego atrasada. Talvez falte disciplina… um
dia conserta!
Estavam meus irmãos de corrente já sentados e foram passados os recadinhos.
Não conversa com o consulente na vibração, tem que pagar a mensalidade em
dia, etc. Coisas que infelizmente tem que sempre repetir, porque por vezes
esquecemos de uma coisa ou outra e vale pela reciclagem constante.
Mãe Denise nos explicou por que é importante mantermos a concentração no
trabalho, com direito a exemplos que ela viu acontecer no Terreiro. Mais uma
daquelas coisas que a gente sabe, mas acaba esquecendo… obrigada mil vezes!
E depois, aberta a gira, ela e Seu Cariri começaram o trabalho de
desenvolvimento.
Nos ensinaram a sentir nossas entidades quando vibram em diferentes energias.
E que energias! Nunca havia sentido o caboclo de Xangô tão forte, tão
firme, tão… Xangô. E a delícia que foi incorporar Oxóssi, uma energia
tão livre!
Mas emocionante, pra mim, foi mesmo na hora que chamaram os Baianos. Acontece
que a minha primeira incorporação quando ainda trabalhava em outro Terreiro
foi uma Baiana com um carisma imenso. Confesso que sou completamente
apaixonada por essa linha, essa energia, essa entidade. Só de pensar nela
tenho vontade de abrir um sorriso do tamanho que ela deixa na minha cara
quando vem. Não me deixa ficar séria, no máximo um sorriso menor e uma
cara de sapeca só dela, quando está em terra.
Pois estava ela caminhando pelo congá, após cumprimentar a hierarquia,
quando foi até uma das sambas (que por sinal é minha madrinha de amaci) e
disse, com seu sotaque: “Não deixa o cavalo esquecer que hoje ela tem que
cumprir a promessa de Zé!”. Essas palavras ficaram me martelando na
cabeça. É que bastante tempo atrás, quando eu ainda fazia parte do samba
do Sábado, não lembro se era gira de Preto Velho ou Esquerda, estava pai
Jussaro incorporado com Seu Zé Pelintra, quando os Baianos todos já haviam
subido, só faltava ele. Os Ogans estavam alongando e descansando um pouco as
mãos para a subida das últimas entidades em terra e o encerramento da gira,
e eu estava cantarolando um ponto bonito.
Eis que ele exclama: “Oxi, mas por que não cantou esse ponto quando
estavam os Baianos em terra, filha?” – ele estava atrás de mim, ouvindo
o ponto todinho.
Respondi que não tinha lembrado dele a tempo.
“Mas então próxima vez que os Baianos vierem, você canta!”
“Claro!” eu respondi, ao que ele replicou: “Promete?”
“Com certeza, meu pai.” Respondi com aquela certeza de “bem, estou no
samba, obviamente vou cantar… mas se ele quer que eu dê certeza, eu
dou.”
Pois bem, voltemos à Baiana…
Trabalhando mais um pouco, dançando e caminhando pelo congá, ela virou
repentinamente e ficou cara a cara com o Baiano incorporado em outro médium,
também afilhado de amaci de minha madrinha. Ela começou a dançar
especificamente com ele. Não perguntei diretamente a ela o porque dela
dançar com ele, mas ela deve ter entendido o conceito da pergunta, porque eu
senti o conceito da resposta que foi algo como “vou te mostrar” e, de
repente, vi o Baiano que estava trabalhando com ele.
Negro como ébano, um sorriso de abalar corações, mas sem maldade, sem
malícia, divertido, um olhar penetrante, como se ele conseguisse ler nossos
pensamentos. Logo pensei “Lindo, nossa!” e ela reagiu com uma risada
gostosa, e deu pra sentir ela me dizendo (novamente, senti “o conceito”)
que o Brasil é uma terra de gente linda, por todo lugar, basta olhar em
volta.
Tendo me mostrado isso, ela se despediu de todos, hierarquia, Seu Cariri,
alguns médiuns da corrente e subiu de volta para Aruanda, me deixando bem
ciente de que eu tinha uma missão para aquela noite.
Fui até Seu Cariri e expliquei a necessidade de cumprir essa promessa e ele
me autorizou a cantar aquele ponto por último, antes dos Baianos subirem.
Necessário explicar que, por motivos pessoais, voltei para a corrente há
alguns meses, deixando o samba, e me voltei para o desenvolvimento na
incorporação, então senti necessário pedir autorização para cantar,
mesmo que fosse um ponto apenas.
Quando ele deu a ordem para que fosse encerrado o trabalho com os Baianos me
aproximei dos atabaques e comecei a cantar.
Não sem um pouco de timidez, porque de repente muitos olhos estavam voltados
para mim, entoei os seguintes versos:

“Valei-me Senhora Aparecida, porque tu és a grande padroeira
Valei-me Senhora do Amparo, a estrela guia e o meu povo da Bahia
Valei-me Senhor do Bonfim e os baianos deste padroeiro
Valei-me orixá formoso que gira gira neste terreiro”

Dentro de mim senti uma energia imensa, eu estava vibrando muito forte na
energia dos Baianos. E eu sabia que Seu Zé estava ali por perto, vendo. Uma
parte de mim estava com vergonha e morrendo de medo de errar a letra,
fraquejar no tom, de falhar com minha promessa. Outra parte de mim estava
percebendo o congá como se fosse maior que um estádio de futebol. Como se
houvesse mil vezes o espaço que há no Anexo II ao redor da corrente, aberto
e sob o céu estrelado.
Chorona que sou (já viu filho de Ogum chorão? Sou eu!) e emocionada como
estava, meus olhos marejaram e eu os fechei. Terminei de cantar uma vez e os
Ogans pediram pra eu repetir o ponto, pra eles tocarem junto. Sem conseguir
conter as lágrimas, cantei novamente, de olhos fechados, com o coração.
Cantei como se não houvesse ninguém olhando. Como se do canto dependesse o
mover do universo. Cantei com fé, cantei com o coração. Com o som dos
atabaques e das palmas da corrente, meu coração estava acelerado.
Quando o ponto acabou, não conseguia conter a vibração. Sentia minha
promessa cumprida. Sentia uma alegria sem tamanho. Sentia a energia da Baiana
ali, pertinho de mim. E senti saudades dos Baianos conforme eles iam embora,
um a um.
Terminei a noite com um sorriso estampado no rosto, uma alegria que não
cabia em mim. E sentindo uma gratidão profunda por tudo que aprendi com este
momento. Meu amor pela linha dos Baianos só cresceu e, em retrospecto,
fiquei assombrada com a capacidade das entidades de saber as coisas, mesmo
antes da gente mudar de idéia.
Por fim, só tenho a agradecer a todos por propiciarem esse aprendizado e por
eu poder ter vivido esse momento lindo. Pai Fernando, obrigada. Mãe
Lucília, obrigada. Mãe Denise, obrigada. Suellen, Kenedy, Marcele,
Alessandra, Laura, Henrique, todos os que estavam lá, obrigada! Seu Zé,
obrigada! Baiana, obrigada!
Saravá!

Patricia Valduga
GIra da Mãe Denise

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