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Memórias do Pai Fernando

Em março de 2020 tivemos que paralisar as atividades do Terreiro e aprender a conviver com o isolamento social em razão do Coronavírus. Desta pandemia, pudemos reviver algumas histórias, dentre elas com o saudoso Pai Fernando de Ogum.

A capitã da gira do Pai Lourenço, Fernanda Dias de Ornellas, compilou algumas histórias das conversas feitas nas lives entre os dirigentes e com o auxílio da médium da gira de segunda-feira, Tatiane Tonet, trouxeram este excelente resumo das conversas para que vocês conheçam um pouco mais sobre o fundador da nossa Casa.

Memórias: Mãe Lucilia de Iemanjá conversa com Pai Gustavo de Oxossi

O Pai Gustavo inicia contando que começou muito naturalmente na Umbanda. Seu Pai, Beco, frequentava o terreiro junto com o Pai Fernando, e sempre foi muito discreto sobre isso. Um certo dia, em uma conversa no carro, o Gustavo se interessou e pediu para conhecer, o que só se concretizou mais ou menos um ano depois, numa visita ao Terreiro do Pai Edmundo Ferro. De primeira, achou um ambiente diferente, mas também logo se estabeleceu uma relação de simpatia com a religião. Começou em 1989 a frequentar a assistência e entrou na corrente em 1993. 

Gustavo começou puxando ponto e tocando atabaque com Lourenço, seu irmão. Depois, foi cambonear as entidades do Guilherme Rocha, um médium memorável, que inclusive tinha autorização do Pai Fernando para trabalhar com o Caboclo da Cachoeira – entidade esta de que o próprio Sr. Fernando era cavalo.

Recorda ainda que um dia o fundador do TPM (e seu tio) lhe contou uma história sobre tal espírito. Como dito, o dirigente era cavalo do Caboclo da Cachoeira, mas na época em geral quem trabalhava com essa entidade era o Guilherme. Pai Fernando comentou que, mesmo sendo seu cavalo, até então nunca tinha chegado a conversar diretamente com a entidade. Em dado dia, foi receber um cumprimento, um abraço do Caboclo, mas com poucas expectativas. Ocorre que tamanha foi a vibração que envolveu aquele gesto, aquele abraço, que ele não conseguiu nem se mexer. Contou ainda ao Pai Gustavo que não chegou a relatar ao médium Guilherme sobre quão forte foi aquela conexão, até porque costumava a dizer:

– Cavalo alisado é cavalo estragado.

Recorda de outra ocasião, em conversa com o Pai Fernando, quando Gustavo lhe disse que teve uma intuição de que trabalharia com o Caboclo Roxo na linha de Oxóssi, e perguntou ao fundador do terreiro se aquele pensamento seria ele, médium, chamando a entidade, ou a entidade o havia escolhido. A resposta veio um pouco enigmática:

– Que diferença faz? – como quem diz que a conexão aconteceria de qualquer maneira, cedo ou tarde. 

Mas lembra que na época ele não sentia muita vibração. Assim, continuou exercendo sua então função de cambone. Porém, ao final das giras, o Caboclo da Cachoeira o colocava no meio e chamavam o Caboclo Roxo. Isso ocorreu durante algumas giras, sem que o Gustavo sentisse vibração ou conseguisse incorporar. Até que certa vez, já sem muita expectativa sobre aquela incorporação, algo mudou. Nessa fatídica gira, o Caboclo da Cachoeira conversou algo com o S. Junco Verde sem que naquele momento o Gustavo soubesse o conteúdo da conversa. Vale contar que o caboclo Junco Verde, além de ser a entidade com quem o Pai Fernando trabalhava na linha de Oxóssi, é também pai de cabeça do Pai Gustavo. Imediatamente após essa breve conversa entre os espíritos, Gustavo teve sua primeira incorporação: o Caboclo Roxo, da linha de Oxóssi. Lembra que não teve controle corporal algum nesse momento e o espírito dominou totalmente suas ações. Girou bastante e inclusive riscou seu ponto. Para todos que conhecem o Pai Gustavo, sabe-se que é pouco comum que ele gire ao incorporar, já que fica bastante tonto. Mas dessa vez, a força com a qual veio a entidade tomou conta do seu físico, e ele não pode evitar a curimba. 

Depois desse evento, ele foi conversar com o Pai Fernando, pedindo para compreender melhor o que havia ocorrido. Nisso, descobriu que aquela havia sido a primeira vez que o Caboclo da Cachoeira havia pedido e obtido autorização do S. Junco Verde para que o Gustavo incorporasse, o que explica finalmente ter havido aquele contato direto e tão forte. Lembra que essa história é muito importante para que todos saibam que a pressa, na espiritualidade, não auxilia em nada o desenvolvimento dos médiuns e comumente inclusive atrapalha. 

Mãe Lucilia e Pai Gustavo lembram de uma viagem que fizeram juntos, para Cachoeiras de Macacu, no Rio de Janeiro, para conhecer o Terreiro do Sr. Zélio de Moraes, médium por meio do qual foi fundada a Umbanda. Nessa oportunidade, tiveram contato com a D. Zélia e a D. Zilméa, filhas de carne do S. Zélio, e que tinham seus corações totalmente voltados para Umbanda.

Surge durante live uma pergunta de um médium, sobre se haveria ou não filhos de pretos velhos, assim como há filhos de Ogum, Oxóssi, etc. Lucilia lembra que, anos atrás, quando os trabalhos ainda eram na Faculdade Espírita, eles acreditavam haver filhos de preto velho. Porém, um filho de corrente na época (que está no Terreiro até hoje) conversou com o Pai Maneco, pois acreditava que havia uma injustiça nisso. Disse o médium:

– Afinal, os filhos de Oxóssi eram como os reis das matas, os filhos de Iemanjá, encontram conforto e lar nos mares. Mas e os filhos de pretos velhos? Onde seria seu lugar na natureza?

A partir dessa indagação, o terreiro mudou sua filosofia, e desde então no TPM há somente filhos das energias da natureza que, para nós, são representadas pelas sete Orixás.

Finalizam a conversa dando dicas para “matar as saudades” do Terreiro, nesse momento sensível de pandemia. Pai Gustavo lembra da fala do Pai Fernando:

– Se quer vibrar no axé no terreiro, mentalize ele: congá, o meio, corrente, engoma, atabaques.

Ele conta ainda que, quando se coloca essas imagens na sua cabeça, em sua memória, você ativa isso, e vibra no axé da casa!

Memórias: Pai Jussaro de Ogum conversa com Pai Pequeno Caco de Xangô

Os dirigente iniciam a live com fala do caboclo Akuan, especialmente relevante no momento em que vivemos:

– Troque a palavra esperança por determinação. – dessa forma, as coisas acontecerão.

Caco e Jussaro lembram juntos da filosofia do Pai Fernando. Pai Caco conta que o fundador do TPM estudou a doutrina espírita e aplicou aquilo como base teórica no terreiro, para desenvolver a melhor Umbanda possível. Ele passou 25 anos no espiritismo, o que foi importante para ele e, por consequência, importante para nós.

Pai Caco conta que iniciou no Terreiro Pai Maneco em 1996, ainda na época em que os trabalhos eram na Faculdade Espírita. Nunca frequentou outro terreiro, assim como o Pai Jussaro. Sobre as mudanças na Umbanda e no terreiro em todo esse tempo, traz que Pai Fernando “ressuscitou” a Umbanda, “redescobriu” a religião, trazendo várias coisas novas. Um exemplo disso foi abrir a Casa dos Exus e o Roncó para que todos os médiuns vissem o que há lá dentro, para acabar com os segredos. Essa revolução do plano material certamente impactou também o plano espiritual. Até porque os espíritos utilizam o conhecimento do médium, e um médium com mais conhecimento provavelmente terá uma melhor incorporação. A Umbanda do Pai Maneco é moderna, não tem segredos nem mistérios. Jussaro defende que Pai Fernando sempre foi visionário, um homem à frente de seu tempo. E a forma dele de pensar refletiu na Umbanda toda, no Brasil e no mundo.

Caco e Jussaro lembram o quanto o fundador do Terreiro era contrário a codificações, grandes limitações ou proibições. “Quase foi à loucura” quando alguém sugeriu que fosse colocado uma cadeado no herbário do Terreiro. Não queria portas ou janelas fechadas – a ideia era que fosse tudo aberto e acessível. A diversidade da Umbanda é que torna ela tão linda. Antes do Pai Fernando, a Umbanda estava quase que adormecida no Brasil, e ele teve grande papel no processo de “acordá-la”.

Surge uma pergunta do chat da live: como foi para o Pai Caco incorporar o Sr. Fernando. O Pai Pequeno lembra que o fundador do TPM faleceu em julho de 2012. Porém, durante todo aquele ano, não se manifestou no Terreiro. Em 2013, um pouco antes das giras voltarem, a Mãe Lucilia convocou uma reunião. Após essa, enquanto Caco voltava para casa em seu carro, escutou um ruído vindo do celular que estava no seu bolso. Qual foi sua surpresa quando, ao verificar o que era, viu que o aparelho estava fazendo uma chamada para o Pai Fernando. Ele ficou, claro, perplexo, e se perguntava o que daquela reunião haveria desagradado o Pai de Santo para que aquela manifestação acontecesse. Evidentemente, relatou o ocorrido à dirigente geral do terreiro.

Na semana seguinte, na primeira gira do ano, logo no começo do trabalho, a Mãe Lucilia puxou o ponto do Pai Fernando e imediatamente pediu para que o Caco fosse para o meio do Terreiro. Seu primeiro pensamento foi:

– Seja o que Deus quiser!

Mas lembra que foi maravilhoso. A incorporação ocorreu e Pai Fernando conversou com várias pessoas, abraçou a hierarquia e, pouco antes de subir, uma médium da corrente perguntou se eles também não ganhariam um abraço. Nisso, ele abraçou cada um dos seus filhos de corrente.

Caco conta que o S. Fernando desencarnou de uma maneira muito rápida. Assim, a primeira coisa que sentiu com a incorporação, foi que ele gostaria de ter tido a oportunidade de abraçar cada um, mas foi pego de surpresa pelo seu desencarne.

Ao final desse evento, Mãe Lucilia perguntou se ele teria algum recado. Bem ao seu jeito, Pai Fernando respondeu, apontando para o relógio:

– ‘Bora trabalhar pois vocês já estão atrasados!

Pai Caco conta que aquela foi a incorporação mais transformadora da sua vida. Lembra que toda incorporação deixa algum resquício de energia, mesmo que pequeno, e dessa vez não foi diferente. Ele então conta que passou a entender um pouco melhor a forma como seu Pai de Santo pensava, como se sentia, como ele via sua corrente, o que tornou o seu vínculo até mais íntimo. Caco lembra que essa (do celular) foi a primeira de várias manifestações que Pai Fernando fez por via da tecnologia.

Ainda sobre incorporações, há uma pergunta ao Pai Jussaro do chat da live, de como foi a incorporação dele com o Caboclo Akuan. 

– Ogum é Ogum, é soberano. – responde.

A manifestação dos Oguns tem energia semelhante entre si, mas foi especialmente emocionante por ser o chefe do terreiro. 

Pai Caco conta sobre a vez que, numa segunda-feira durante o dia, Mãe Lucilia ligou para ele comentando que não estava muito bem, estava se sentindo um pouco para baixo. Nisso, ele foi pensando em qual trabalho poderia ser feito para ela na gira. Pensou durante algumas horas, sem qualquer ideia. Lembrou então que o Pai Fernando sempre, com muita humildade, contava com a ajuda da sua corrente, mas preferiu aguardar o decorrer da gira.

Após a abertura, ao cantarem o ponto do S. Akuan, ele sentiu a aproximação do caboclo. Pediu autorização à Lucilia para incorporar, que concordou prontamente. A entidade então determinou que fossem ao roncó, enquanto a Mãe Rita ficaria responsável pela gira. Lá, pediu pelo alguidar da Mãe Lucilia, que respondeu não saber onde estava, pois considerava que seu quartilhão servia como seu alguidar. Imediatamente, a Mirtes foi buscar um alguidar novo e, lá mesmo, S. Akuan lavou a cabeça da Lucilia. A mãe de santo relatou que aquilo foi muito lindo, muito profundo e que a ajudou de forma muito significativa.

Ainda sobre lembranças do Pai Fernando, Caco conta que uma vez perguntou a ele como fazer para não errar numa gira. A resposta foi simples e categórica:

– Não invente moda. – no sentido de fazer o simples e seguir a cartilha. Ao adquirir mais experiência de mando, talvez se possa inventar um pouco, mas até lá, siga o “feijão com arroz”.

Em outra ocasião perguntou ainda o que o Pai de Santo faria após o seu desencarne. Sr. Fernando respondeu na lata: 

– No dia seguinte, estarei trabalhando no Terreiro. 

Jussaro lembra que Pai Fernando, mesmo que rígido, sempre chama a atenção de uma maneira muito construtiva, se preocupava realmente com o desenvolvimento dos seus médiuns. Caco comenta que, após incorporar o Pai Fernando, ele percebeu que, mesmo quando ele dava um sermão, sempre incisivo e com a cara meio fechada, ele não sentia raiva nem rancor em seu coração. A intenção era verdadeiramente boa! 

Lembram que o Pai Fernando era um médium totalmente excepcional, e gostava de fazer experiências. Chegou a fazer uma mesa praticamente voar uma vez numa festa Não Bate a Cabeça a Toa. S. Fernando vibrava com essas manifestações. Jussaro lembra que uma médium relatou uma vez que havia uma série de fenômenos ocorrendo em sua casa, e trouxe chaves tetras que estavam dobradas no meio, sem qualquer explicação. Ao mostrar aquilo para ao Pai Fernando, sua reação foi uma pouco inesperada:

– Mas que maravilha! – disse ele na ocasião, demonstrando ser esse médium apaixonado, excepcional e de muita fé!

Memórias: Pai Jussaro de Ogum e Mãe Pequena Camila de Iemanjá

Mãe Camila, neta do Pai Fernando, praticamente “nasceu” no Terreiro. No início da conversa conta que, quando bem jovem, trabalhava com o seu avô, que era cartorário. Quando houve a estatização do cartório do Sr. Fernando, Camila acompanhou de perto todo aquele processo de mudança. Ela lembra que, para o avô, foi um processo duro, de perda realmente, e isso foi o que o levou a se dedicar “de cabeça” ao blog que o Terreiro mantinha na época. O dirigente respondia as perguntas que ali surgiam e a Camila sempre o ajudou com isso. Ela fez questão de estar ao lado dele, e se conectar ao avó no momento de fragilidade. Inclusive, Pai Fernando escreveu seu livro, “Grifos do Passado”, no momento de maior depressão da sua vida. Assim, Mãe Camila sempre lembra dessa situação quando alguém lhe diz que a vida está ruim ou que nada dá certo. Pai Fernando nos ensinou a importância da Umbanda, do quanto ela faz bem para a pessoa, especialmente em momentos mais difíceis.

– Ter a força da religião em tempos de necessidade é essencial – ela ressalta.

A Mãe Pequena lembra também que, no girão de 2011, ela sentou ao lado do seu avô, que conversava sobre uma médium que havia perdido um familiar, e que estava muito triste pelo ocorrido. Ele então chamou o Pai Bitty, o João Costa e o Anderson Lima e, juntos, começaram a escrever o ponto “ Não se Lamente”. Fernando estava muito bravo, e falava:

– Não consigo entender como alguém fica triste quando uma pessoa morre! Não tem como ficar triste quando alguém morre.

Ocorre que no ano seguinte o próprio Pai Fernando desencarnou. Nesse processo de passagem, Camila sempre se esforçava para lembrar daquela cena de seu avó revoltado com a tristeza dos que ficam. Afinal, as coisas não são eternas!

Recorda ainda do dia que Sr. Fernando deixou sua casa de ambulância, e o quanto esse dia foi desesperador. Sentiu que aquela seria a última vez que teria contato com ele. Por outro lado, do seu velório, conta o quanto aquilo foi uma experiência linda, com uma energia tão forte. 

Sobre isso ainda, Pai Jussaro lembra sobre uma sexta-feira, em 2012, quando encontrou o Pai Fernando no terreiro, que o convidou para ver como estava a obra de construção do roncó dos Pais de Santo.

– Jussaro, você me promete uma coisa? – Fernando perguntou. – Quando eu desencarnar, todo ano você toca uma gira de Ogum inteirinha dedicada a mim?

Pai Jussaro confirmou que cumpriria essa promessa, mas questionou como ele tinha tanta certeza que sua passagem seria numa terça-feira, dia em que Jussaro dirige sua gira. A resposta veio com tampinhas de carinho no rosto, acompanhados da frase:

– Você vai ver.

No mesmo ano, no dia 31 de julho, Pai Fernando desencarnou. Era uma terça-feira.

No dia anterior à passagem, segunda, houve gira normalmente. Mãe Lucilia e Mãe Camila que tocaram o ritual. Pai Fernando dizia que, primeiro, vá ao Terreiro por você, para si mesmo. Com isso, você estará bem para ajudar os outros. Quando estiver mal, vá da mesma forma, e na verdade, vá especialmente nesse caso. Sempre haverá pessoas contando com aquela ajuda espiritual, e ambos ressaltam que os médiuns estão lá para servir.

Memórias: Pai Bitty de Ogum conversa com Pai Lourenço de Ogum

Pai Lourenço, filho do Beco e sobrinho do Fernando, conta que seu pai acompanhou o fundador do terreiro desde o começo da sua caminhada na Umbanda. S. Beco era sempre muito discreto sobre seu compromisso religioso de segunda-feira, até que um dia o Lourenço perguntou sobre as giras, e seu pai o levou. Na época que começou a frequentar a assistência, ele tinha 12 anos, e conta que se apaixonou pela religião. Logo quis entrar na corrente, mas o Pai Fernando não deixava, até por ser novo. Mas tanto insistiu, que ele deixou. Antes mesmo de entrar na corrente ou de pôr o branco, ele já começou a cambonear. Até que numa gira, havia somente um ogan. Lembra que sentiu um magnetismo muito grande com a engoma. Passou umas duas ou três vezes por ali, “namorando” o atabaque, até que decidiu tocar. Nas primeiras batidas, já foi quase que expulso pelo ogan que estava ali.

Pai Fernando, incorporado, viu aquilo e o chamou. Perguntou se ele tinha vontade de ser ogan, ao que o Lolo confirmou imediatamente, como bom filho de Ogum. O cruzamento ocorreu naquele momento mesmo. Logo após, o caboclo incorporado mandou colocarem o atabaque na frente do novo ogan e determinou:

– Toque para Ogum.

Nervoso, e sem nenhuma experiência na engoma, ele só obedeceu. Para sua própria surpresa, ele tocou. E deu certo. S. Akuan mandou: “Agora para Iemanjá”. Instintivamente, Lourenço tocou mais suave. Nisso, a entidade dirigente se deu por satisfeito, mandou que fosse para a engoma, e continuou a tocar a gira. 

Pai Bitty tem memórias dessa época, pois ele puxava os pontos na gira (na época, não se usava a denominação de hoje, “samba”, para as pessoas que ocupam essa função). Ambos lembram que o Lolo assumiu a engoma cedo, aos 14 anos. Mas ele diz que foi algo natural, se sentia bem ali, era um lugar ao que pertencia e o deixava seguro, inclusive em relação à espiritualidade. 

Contam ainda que no começo eram somente três atabaques: Lé, Rumpi e Rum. Mas o Pai Fernando adorava inovar, por isso a gira já contou com violão, pandeiro, agogô, piano, e surdo (este que hoje é considerado fundamental para a nossa engoma). O fundador do terreiro também gostava de uma energia viva, jovem, com bastante alegria, mas também atenção.

Pai Bitty ainda lembra que o Pai Lolo foi o primeiro a incorporar S. Ogan Kaian. A respeito disso, Lourenço recorda que o Pai Fernando costumava a fazer reuniões aos domingos na sua casa, e durante esses eventualmente havia recados ou manifestações do astral. Num desses dias, o Pai de Santo avisou ao Lolo que havia um espírito atrás dele, que parecia quase “soltar vapor pelas ventas” por estar bravo. Uns momentos depois, disse que sabia quem era aquele espírito:

– O nome dele é Ogan Kaian e ele é o espírito que cuida da nossa engoma.

Disse ainda que ele estava irado com a situação da engoma, que estava uma bagunça. Até então, nem sabiam da existência dessa entidade. Mas todos se empenharam então para corrigir os problemas da engoma. Um tempo depois, o espírito se manifestou no terreiro e incorporou no Lolo, que conta que a energia foi fortíssima, que até parecia que a entidade talvez nunca tivesse passado pela experiência de incorporar, de tão intenso que foi.

Percebeu ainda que era uma entidade muito séria e que não deixaria que a engoma fosse prejudicada. É exigente, e se algo estiver errado, ele vai cobrar. Um tempo depois, mãe Lucilia incorporou o espírito e riscou seu ponto, que é usado até hoje como firmeza em frente aos atabaques.

Encerram a conversa lembrando que, uns 4 ou 5 anos atrás, houve um encontro com as engomas de todas as giras do terreiro. O evento teve muita adesão e o pessoal participou em peso. Lolo conta que, nesse dia, a entidade incorporou chorando, emocionado com toda aquela força do nosso terreiro!

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