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O fumo na Umbanda

Eu tive a honra de ser cambone da Mãe Cris, minha madrinha, por 5 anos e vários foram os esporros que levamos por conta das suas entidades fumarem cigarro durante a gira.

Nasci, cresci e convivo com fumantes. Acredito que o cigarro seja um dos motivos sociais que mais integram as pessoas, mas presenciei cenas horríveis do meu avô por conta de enfisema pulmonar.

Aliás, enfisema pulmonar foi o motivo de desencarne do avô do meu marido, Michel Khury, e talvez seja este um dos motivos que mais intrigam o Roge sobre o uso do fumo na Umbanda. Ele acredita que o Terreiro é grande “incentivador” de novos adeptos ao cigarro, o que eu me nego a concordar e por isso resolvi refletir e escrever algumas palavras sobre o assunto.

Agradeço o auxílio do material enviado pela Denise Oliveira (excertos do blog escrito pelo Pai Fernando, e outros sites).

Historicamente, a fumaça servia como proteção aos maus espíritos e como erva medicinal para curar feridas e dores estomacais. O uso no território brasileiro começou com os Tupis-Guaranis, que tinham no fumo caráter sagrado para seus ritos, além do que, absorvem elementos da natureza essenciais para atuação no campo energético, tais como: calor do sol, magnetismo da lua, oxigênio, hidrogênio.

Assim que chegaram em território brasileiro, os europeus se espelharam nos índios que fumavam e introduziram o fumo no ambiente social. Com isso, os marinheiros encontraram na mastigação do fumo de corda um meio prazeroso de passar o tempo.

O sopro da fumaça expressava o momento de transe dos índios e acreditava que isso afastava pragas e espíritos, além de que, o hálito do pajé se tornava peculiar e com isso era possível assimilar o seu poder.

Com o passar dos anos, o fumo se assemelhou às formas de exploração comercial mais importantes e teve uma grande expressão no cenário nacional. Contudo, como é de conhecimento da grande maioria da população, foram constatados diversos malefícios do fumo e o que era recomendado, hoje é ao contrário.

Trazendo um pouco da história para a Umbanda, o fumo e a bebida estavam presentes no dia em que a religião foi fundada por Seu Zélio de Moraes, em 1908. Contudo, eu entendo que atualmente o uso do fumo deve ser moderado.

Inicialmente não há como negar que a qualidade do fumo está cada dia mais comprometedora. Além do que é preciso distinguir: cigarros industrializados, charutos, cigarrilhas e cachimbos.

Eu acredito que em razão da nocividade e da história do fumo, o cigarro não deve ser consumido nas giras. Entendo que os componentes do cigarro não traduzem essa magia e pureza que as demais formas de consumo do tabaco. Mas, repito, isso é o que eu acredito.

Aliás, já disse isso em momento anterior, mas como foi uma cena marcante eu não me canso de repetir. Certa vez Seu Akuan chamou todas as crianças que estavam no Terreiro para entrarem no meio, dentre uma delas, um bebê recém-nascido. Naquele momento foi falado o motivo de ser permitido fumar apenas no toco. É inadmissível jogar fumaça na cara das pessoas, ainda mais em crianças em desenvolvimento, e sabemos muito bem que infelizmente práticas como essas são comuns.

Em decorrência do que já mencionei anteriormente, acredito na importância do fumo para a limpeza, mas que não seja este o único método para isso. As entidades podem se valer da limpeza utilizando outros elementos e compete a nós, médiuns, fazer uso dessa terceira energia, nos posicionando pelo bom senso, sem jogar fumaça na cara dos outros.

Ao contrário do que muitos possam pensar, os trabalhos de uma entidade não se tornam mais fracos ou fortes por conta da utilização do fumo e da bebida, a força do espírito é exatamente a mesma.

Devemos lembrar, inclusive, que além de recebermos consulentes que estão tentando deixar o vício de lado, temos médiuns que são ex-fumantes e não podem voltar a fumar por conta do espírito.

Em hipótese alguma eu quero julgar os médiuns e espíritos que fumam, longe disso. A minha ideia é trazer à tona o assunto para reflexão e com isso, talvez, não incentivar os médiuns iniciantes a fumarem e contrariar a observação feita pelo Roge, de que o Terreiro é um meio propício para o início do tabagismo.

Veja, eu não sou adepta a qualquer tipo de fumo, mas entidades com quem trabalho eventualmente usam ou já usaram o fumo, por isso quero expor minha opinião e mostrar que não sou radical. Talvez as entidades usem por uma explicação encontrada pela Denise: A cinza do fumo se torna nas mãos do guia um excelente elemento consumidor de miasmas negativos que limpam o campo áurico de quem está sendo atendido pelo mesmo, incluindo chacras e corpo físico[1].

Para o preceito, por conta de algum “resquício” de energia no períspirito do médium, o correto seria não fumar por, no mínimo, 6 horas antes do trabalho. No entanto, acredito que por se tratar de vício (ato incontrolável) – inclusive de dirigentes, esta orientação não é cumprida à risca.

A prática é comum e o uso do fumo em cultos religiosos é socialmente reconhecido, sendo uma das exceções da lei antitabagismo, conforme legislação municipal n.º 13.254/2009, artigo 4º, inciso I.

Acredito, portanto, que minha crítica seja voltada ao uso do cigarro de papel e não do fumo no sentido amplo. Claro, desde que aplicado com bom senso.

Sobre isso, perfeita a colocação:

“No reino vegetal, temos ervas de várias propriedades, que quando combinadas e ativadas (queimadas) tornam-se grandes condutores energéticos, descarregadores, energizadores e equilibradores. Então, seguem algumas receitinhas: Façam charutos para caboclos com as seguintes ervas piladas: sálvia, alfazema e calêndula, pode ser enrolada na palha, o Caboclo aceita esta receita que é muito boa e funciona tanto quanto um charuto bom e natural, sem a química. 

Para Preto Velho faça o fumo de cachimbo com sálvia, alecrim, folha de café e urucum. (…) Temos a opção para Exu, de pilar sálvia, cravo vermelho seco e levante e, para Pombagira, podemos usar sálvia, hibisco e rosa vermelha.

(…)

Umbanda é Luz, e onde não houver bom senso e ética, não tem Umbanda![2]

Por fim, transcrevo aqui uma resposta dada pelo Pai Fernando – fumante por mais de meio século  – com o que concordo: “Cigarro de papel é vício do médium”.

 

Camila Guimarães

Curitiba, julho de 2018

 

[1] Texto de Pai Géro – http://umbanda-candomble.comunidades.net/por-que-os-espiritos-fumam-e-bebem-em-terreiros

[2] Por que Bebidas, Charutos, Cachimbos e Cigarros na Umbanda? – Fonte: Umbanda Eu Curto, 11 de abril de 2017

 

13 thoughts on “O fumo na Umbanda

  • 14 de julho de 2018 em 12:16
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    Concordo plenamente com você, Mãe Camila.
    Não devemos incentivar o vício, e também devemoa preservar a magia .
    O bom senso e obrigatório.

  • 16 de julho de 2018 em 11:38
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    Legal Camila! Gostaria de fazer um comentário: Quando o S. Akuan, e logo as demais Entidades do Pai Fernando, deixou de fumar, por conta do enfisema o estar prejudicando demais, o S. Jacurundá parou de fumar também. Posso garantir que não faz falta alguma, a não ser para mim, que também possuo o desgraçado vício do cigarro. Eventualmente, conforme a demanda apresentada, ele pede um charuto para produzir cinzas outras vezes para usar o fumo seco mesmo e assim fazer o seu trabalho. Mesmo após o desencarne do Pai Fernando ele nunca mais voltou a fumar charuto. Veja, não se pode fumar no meio, ele é muito educado e também não gosta de fumar e baforar na cara do consulente, não pode fumar durante a vibração pois na frente dele ficam as crianças, idosos e os mais debilitados. Logo entendemos que a fumaça só é necessária mesmo em casos bem específicos. O trabalho e a magia se faz da mesma forma, com a mesma força e resultado, e ainda com mais respeito ao consulente e a todos.

  • 23 de julho de 2018 em 18:59
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    Uau! Imagino como seria mais agradável uma gira de Exú com fragrâncias de sálvia, cravo vermelho, hibisco etc 🙂

    Fazendo um adendo, a legislação nacional é um pouco mais rígida quanto ao fumo em locais de culto religioso, apresentando, por meio de seu decreto regulamentador (nº 8262/2014), art 3º:

    “§ 3º Nos locais indicados no § 2º [parágrafo que exclui os locais da culto da proibição de fumo] deverão ser adotadas condições de isolamento, ventilação e exaustão do ar e medidas de proteção ao trabalhador em relação à exposição ao fumo, nos termos de normas complementares editadas pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e Emprego.”

    Quando muitas entidades fumam no terreiro simultaneamente, principalmente em noites mais quentes (quando há menos movimentos de convecção do ar), é inevitável que a fumaça fique no ambiente sem possibilidade de exaustão natural.

  • 23 de julho de 2018 em 23:21
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    Lembrando que a Sálvia nao deve ser tragada. Se utiliza apenas nas baforadas, pois algumas de suas espécies possuem efeitos alucinógenos… Em especial a Sálvia divinorum cujo comércio é restrito desde 2013.

  • 7 de dezembro de 2018 em 23:43
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    Meu nome é Vicente D’ Oxóssi, sou filho do Pai Beco. Trabalhei no terreiro de 2000 a 2007. Sofri um infarto que quase me matou e por conta do tabaco. Eu antes de entrar no terreiro era fumante muito ameno. 20 cigarros duravam mais de 1 semana.
    2 anos , por volta de 2002 / 2003 peguei gosto pelo cachimbo, charuto e o cigarro 20 unidades por dia.
    A nicotina obstruiu minha artéria coronária e 30 dias fiquei moŕrendo na UTI do Hospital. Enfim quando por milagre escapei a assombração da fila do transplante passou a ser a única opção.
    Com ajuda do “acaso” consegui entrar para o programa de células tronco e regenerei o coração. Em 2009 estava trotando no parque do Bacacheri.
    Durante todo este tempo aprendi no meio da medicina entre os pesquisadores e doutores que meu pulmão não estava comprometido e sim artérias. Não se obstrui artérias só tragando. O que mais absorve o alcatrão e a nicotina são as glandulas salivares. Respirar a fumaça faz tão mal quando tragar. Minha esposa não era fumante e tinha uma tosse crônica, quando parei, com o tempo a tosse dela cessou.
    Pai Beco é amante de um bom tabaco e tem 4 pontes de safena. Pai Fernando de Ogum fundador do Terreiro Pai Maneco tinha problema grave de pulmão. Tanto que nas giras à partir de 2004 se não me engano não faziam nem defumação na gira.
    Pai Fernando me disse uma vez que não vale a pena e não faz diferença nos trabalhos. Tanto que trabalhou anos sem o tabaco.
    Se o pai maior da casa disse isso tive que reavaliar minhas convicções. Infelizmente foi tarde.
    Tabaco é um problema de saúde publica. Insistir no convivio do mesmo em um lugar aonde vamos buscar saúde fisica e espiritual não seria uma contradição?
    Axé e meu abraço a todos.
    Vicente D’ Oxóssi.

    • 18 de dezembro de 2018 em 14:33
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      Na verdade não sei se é contradição. Foi o que eu mencionei no texto: fazia parte da tradição. Enfim, vamos adaptando no que é possível e sempre em busca da evolução espiritual. Muito obrigada pelo teu comentário. Axé, Camila

  • 17 de janeiro de 2019 em 10:38
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    Bom dia , meu nome é Lizabeth. Trabalho na secretaria de saúde de Olinda-Pernambuco. Estamos iniciando um trabalho de sensibilização nos Terreiros em relação ao uso da nicotina nas suas diversas formas: inalada, aspirada, mascada, etc.Existe um programa chamado saúde nos terreiros .
    A fumaça de um cigarro fica no ambiente ( mesmo tendo um sistema de exastão de ar potente) por 3 meses. significando que todas as pessoas que estão neste local inalaram as substancias tóxicas do cigarro , que hoje já foram isoladas mais de 8 mil. Podendo ocasionar TODAS as doenças que o fumante ativo pode contrair.

    • 27 de janeiro de 2019 em 21:12
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      Que fantástico! Sou de Maceió e adoraria ter acesso ao programa. Poderia enviar o projeto? Axé muito e um abraço fraternal.

  • 6 de setembro de 2019 em 11:32
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    Gostaria de saber se vc tem alguma receita para baiana ,marinheiro.
    Agradeço desde já.

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