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GIRA É APRENDIZADO E ENTREGA É TRANSFORMAÇÃO – Mãe Cris de Ogum

Fundamentos são os alicerces da Umbanda;
sua lei, ditada pela filosofia do dirigente do terreiro.
O respeito aos orixás, às entidades, ao terreiro, à hierarquia,
aos irmãos de corrente, aos consulentes e visitantes,
e às regras determinadas pelos ensinamentos da Lei Maior.
É, em síntese, o respeito ao bom senso e o amor que a Umbanda prega.
Fernando Guimarães

Para quem gosta de aprender, cada gira é um nova oportunidade. Na reabertura dos trabalhos de 2018, o Caboclo de Ogum Sete Ponteiras do Mar me incumbiu de perguntar aos espíritos incorporados em dirigentes, se tinham algum pedido a fazer. Compreendi que a questão residia em como ele poderia ajudar nos trabalhos de cada um. Acrescentou que, por ser o chefe da casa, é responsável pelo aprimoramento e felicidade dos filhos. A lição de humildade e sabedoria me emocionou.
De acordo com o Caboclo, para comandar, temos que conhecer a necessidade dos outros; percebi o peso da responsabilidade do dirigente e o carinho com que anseia por ouvir à quem está sob sua guarda. Me explica ainda que, no momento do trabalho somos uma coisa só e é importante que estejamos todos bem para podermos obter bons resultados. A cada início de ciclo, portanto, é importante nos organizarmos materialmente.
Ao conversar com os espíritos, alguns afirmaram não ter nada a pedir. Procurei pelo Caboclo da Manhã e o banquinho estava vazio; pensei que ele tivesse desincorporado. Falei com o S. Ogum do Oriente e ele foi conversar diretamente com S. Sete Ponteiras do Mar. Enquanto isso, o Caboclo Espada Flamejante pensava sobre o que falar. Conversou comigo e, pela complexidade do assunto, achei melhor ele também conversar diretamente com S. Sete Ponteiras do Mar.
Fiquei prestando atenção na comunicação que os espíritos estavam estabelecendo e o Caboclo da Manhã veio se despedir de mim. Depois que eu o cumprimentei, perguntou-me se eu não estava esquecendo de nada. Envergonhada, contei a história do banquinho vazio e ele acabou rindo, sem deixar de pontuar o erro que eu havia cometido ao deixar de repassar a ele a pergunta. Mariana, que o camboneava, disse, sorrindo, que ele estava de olho em mim o tempo inteiro. Humildemente, pedi desculpas e ele me fez lembrar que não existe perfeição, pelo menos na Terra. Antes de subir, afirmou que iria pensar no que pedir. Certamente, essa conversa apenas iniciou na gira e deve se estender ao plano astral, onde os espíritos tomam decisões sem estarem incorporados nos médiuns. Somos apenas parte desta organização maior.
Vejo que S. Espada Flamejante se dirige a todos, ou seja: S. Sete Ponteiras do Mar achou melhor ele mesmo falar, já que o pedido é para os filhos da casa. Ele diz que se discute muito sobre entrega ou oferenda e enfatiza que os espíritos ouvem os pedidos feitos no Jardim dos Orixás e que procuram atender ao máximo, na medida do possível. Pede para que cada filho procure entrar em harmonia com sua natureza interna quando faz uma entrega, pois deste modo fica mais fácil, também, se harmonizar com o mundo externo. Explica que de nada adianta fazer uma entrega apenas externamente, seja dispondo os elementos diante das imagens ou pensando apenas para fora, objetivamente. Segundo ele, não é a partir do mundo exterior que acontece a mudança, pois muitas vezes, os espíritos não têm controle sobre os acontecimentos da natureza externa, como a explosão de um vulcão ou um grande terremoto. Pelo teor da conversa, creio que devemos estar fazendo pedidos que os espíritos não podem atender. Me apropriando das palavras do Caboclo Ogum da Manhã, acho que vou ter que pensar mais sobre isso.
Retomo a questão da entrega, nas palavras do S. Espada Flamejante: nosso corpo físico, a matéria com a qual interagimos no mundo, é composto por misturas e agrupamentos de elementos químicos, tais como ferro, água e fogo. Devemos, portanto, reconhecer a presença dos elementos da natureza exterior dentro de nossos próprios corpos. Interno e externo, a partir de um olhar aguçado, podem ser uma coisa só. Exemplificou lembrando que Ogum é fogo, e que quando se aproxima de Iemanjá a água ferve, evapora e faz nuvem. Contou que as filhas de Oxum parecem estar sempre partindo e que sentem muitos arrepios, porque a água dos rios flui e é fria. Este tipo de conhecimento ou percepção, pode nos ajudar a ter uma vida mais equilibrada, pois nos tornamos mais aptos a compreender como agir em determinadas interações sociais.
Nos processos de subjetivação, no mergulho às profundezas do mundo interior se processam, também, aprendizados. Entrar em sintonia com a natureza, algo que tanto almejamos, parte de uma disposição, de uma real entrega do e ao espírito. De acordo com os guias, esse tipo de entrega é necessário a um trabalho que requer compartilhamento, partilha. É preciso lembrar ainda, de acordo com o S. Sete Ponteiras do Mar, que realizamos um trabalho espiritual e material. Para que a parte espiritual se fortaleça, devemos organizar a parte material. Nos trabalhos em grupos é fundamental estarmos em harmonia e respeitarmos os fundamentos da Umbanda, tão bem explicitados por Pai Fernando na epígrafe que escolhi para evidenciar a filosofia do terreiro.
No simbolismo da entrega, de acordo com o que consegui entender, devemos nos entregar a nós mesmos, dispostos a perceber o mundo de forma distinta daquela em que estávamos acostumados a nos reconhecer. Para aprendermos a ser pessoas melhores, mais capacitadas ao exercício do convívio e da prática social é necessária a introspecção e a vontade de transformação interna, a qual acarretará a mudança externa..
Já temos, portanto, no primeiro dia da gira, o que se solicita aos médiuns neste ciclo. Ao fazer uma entrega, é imprescindível procurarmos correlacionar as naturezas internas e externas, em busca de harmonização espiritual e material. Assim praticaremos cada vez mais e melhor a Umbanda Pés no Chão do Terreiro do Pai Maneco.

Cristina Mendes
Fevereiro de 2018

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