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O CANTO A PAI FERNANDO E O BABALAWO – por Rafael Guijarro Bueno

ANTES DE TUDO, A NOSSA JUSTIFICATIVA

Pela Mãe Pequena Camila Guimarães

A ideia do nosso site é criar campo para que os médiuns possam expor seus textos.
Em que pese o texto fundamentado, entendo que em alguns momentos o autor vai mais além do que uma simples reflexão do tema, quando expõe que “a reflexão profunda me leva a entender o quanto é errônea essa atribuição e o quanto ela ultrapassa os limites étnicos e éticos”, mas por dever ético, temos que publicá-lo na integra.

Esclareço que esta homenagem, hoje utilizada como mantra na abertura do nosso ritual, foi feito pela Mãe Eli.
A propósito, quem frequenta o Pai Maneco há muitos anos, vai se lembrar do saudoso Geraldo de abraços abertos cantando em frente ao conga, para saudar os Pais/Mães de Santo visitantes:

Babalaô
Que teu sono seja calmo,
Babalaô
Que teus sonhos sejam lindos,
Babalaô
Que a Estrela Dalva te ilumine
Nesta noite que se finda,
Babalaô
Amanhã é um novo dia,
Babalaô
Deus te guarde, te abençoe e ilumine

Portanto, não obstante a insurgência do querido e estudioso médium, Babalaô é uma referência não comum, mas já usada em nossa Casa aos dirigentes espirituais. De outro lado, nunca se fez referência aos dirigentes do Pai Maneco como sendo “Babalaôs”, mas pela simples razão da filosofia do “Umbanda pés no chão”.
É inegável que a Umbanda é uma religião precipuamente brasileira. No entanto, herdamos algumas expressões, saudações e termos do Candomblé, o que não pode ser confundido como uma grave afronta aos princípios morais, éticos e seja lá qual for, como faz crer o autor no seu texto. Afinal, se nós devemos reverência ao povo africano, assim como qualquer outra descendência, não vejo que o ponto seja “interpretação deprimente espelhada no paradigma escravocrata que uniu todos os povos e culturas africanas num único termo: negros”.

Interpretar que a compositora fez uma grave afronta ao denominar o ponto como “Babalaô”, me parece algo temerário, ainda mais se tratando de uma Mãe de Santo dedicada e comprometida há anos com a Casa, muito antes de ser cruzada.
Finalizo, no entanto, dizendo que dias atrás em uma gira, a Mãe Lucilia ao saudar “- Salve Babalaô!”, levou de imediato um puxão de orelha.
Por isso, em razão da dedicação do médium e pelo puxão de orelha, publico o texto para reflexão sobre o assunto.
Abaixo, segue o texto escrito pelo médium Rafael Guijarro Bueno:

O canto a Pai Fernando e o Babalawo

por Rafael Guijarro Bueno

O canto e devoção extra-terrena que percebo ser cantado com grande respeito e devoção no nosso congá (e uma belíssima composição musical) é justamente o que aparece em seguida de: “ – Salve Pai Fernando de Ogum, Salve Babalaô de Ogum”.
E de cabeças baixas e respeito a quem não pude me encontrar fisicamente (frequento o terreiro a apenas um ano), canto agradecendo o seu esforço na Terra e bato no chão a minha cabeça oferecendo minha força de trabalho naquela noite. Bem, a força de trabalho oferecida também se apresenta fora do congá, onde estudo as raízes da umbanda e ela como um todo a partir de textos acadêmicos ou não (conquanto apresentem fontes confiáveis de onde eu possa extrair boas informações). Numa procura por explicar porque cantamos “Babalaô de Ogum” apenas para o Pai Fernando e não reverenciamos nenhum “Babalaô de Iemanjá” à nossa mãe Lucília, primeiramente encontrei referências ao gênero, uma explicação superficial que indicaria que “Babalaô” era, conforme glossário do site do Terreiro do Pai Maneco, “Pai de Santo (baba, pai; aô, completo, tudo; “um pai para tudo”).
Bom, fiquei me perguntando algum tempo sobre a questão patriarcal nas religiões dominantes no mundo e a forma como a mulher, na maioria das vezes, assumia um papel secundário nas designações. Não digo nas tarefas e nem no valor sacerdotal, mas a maneira como em textos e representações o feminino era sempre subjugado ao masculino:

Babalorixá 
Chefe masculino de terreiro; Sacerdote de candomblé; ou de umbanda (a umbanda também o usa = Babalaô). Denominado popularmente “pai-de-santo”, dirige tanto o corpo administrativo como o sacerdotal. Orienta a vida espiritual da comunidade religiosa (Texto retirado do glossário do site do Terreiro do Pai Maneco <acesso em 17/05, às 16h33m>).

Cito a passagem acima para alertar que na Letra “I” deste mesmo glossário, temos apenas a palavra “Incorporar” e nada apresenta sobre a definição de  “Ialorixá”  que é o correspondente feminino de “Babalorixá” sem submissão de valores e qualidades:

Babalorixá ou Iarolixá
Carinhosamente Baba 

Este é o mais alto grau hierárquico: é o chefe do terreiro que também pode ser denominado Diretor de culto. Aquele ou aquela que dirige o terreiro e que exerce toda a responsabilidade espiritual dentro dele. É o pai ou a mãe-de-santo responsável pela feitura dos médiuns, os filhos-de-santo.
Este chefe é denominado Babalorixá quando é homem e de Ialorixá quando é mulher (https://paimane.com/conversa-de-terreiro/babalorixa-ialorixa/ <acesso em 17/05/2016 às 16:38>).

Bom, parece que a questão de gênero está apontada e não é uma unanimidade, quando eu comecei a pesquisa, achava que nem existia um termo para designar chefes mulheres, como no caso do nosso Terreiro e de muitos outros honrados. Mas bem, visto que agora o desafio é escrevermos um ponto bonito para nossa     Ialorixá     de Iemanjá (Podemos propor um espelho: “   Ialorixá    de Iemanjá com a mesma melodia de “Babalaô de Ogum e ô”, ambos com 8 silábas fonéticas) resta nos ape nas notificar a sutil diferença entre os termos “  Babalawo   (Babalaô) e  Babalorixá ”. Tudo parecia tranquilo,   poderia ser apenas diferença na tradução das denominação de chefes homens em religiões africanas…

Como este ensaio-reflexão não vai ser submetido à academia eu não irei fazer muitas referências e citações, apenas as necessárias e colocarei no fim do texto uma lista com as fontes de pesquisa e textos de confronto de termos. Também estou me preocupando com as normas técnicas apenas quando elas são indispensáveis para uma boa formatação, entendimento, confiabilidade das fontes de pesquisa e questões de autoria.
O que parecia ser simples acabou tomando a minha tarde de terça feira: Babalaô e  Babalorixás  são duas coisas completamente diferentes e o mal uso do termo babalawo resulta em conflitos éticos e afrontas gravíssimas de apropriação, utilização de propriedad e étnica e neste caso (ainda fico triste de apontar), é um caso que inclui conflitos morais.

Os  babalorixás  e ialorixás são chefes de  Terreiro (Candomblé ou umbanda) que tem os desígnios sacerdotais e sociais do cuidado com os médiuns e com o Terreiro onde trabalham, com a segurança do congá e também outras coisas:
Além de dirigir toda a parte espiritual, o chefe do terreiro tem muitas atribuições:

preparar as imantações e as obrigações (feituras);
cuidar dos assentamentos. Esta tarefa não pode ser delegada aos filhos-de-santo, pois como os assentamentos são propriedade do chefe do terreiro, estão sob sua responsabilidade;
prepara os seus médiuns.
Compete a ele determinar toda a diretriz espiritual, não só do desenvolvimento (no qual é ele quem ministra a parte teórica), como também das giras públicas, identificar, selecionar, orientar, testar os médiuns e colocá-los dentro da função de trabalho;
realizar cerimônia como batizados, casamentos, funerais, etc.
(https://paimane.com/conversa-de-terreiro/babalorixa-ialorixa/ <acesso em 17/05/2016 às 16:54>).

E os babalawos não tem nada a ver com isso. Eles são denominação exclusiva de uma vertente religiosa africana Yorubá chamada Culto de Ifá. Os Babalawos são os detentores do segredo, são proféticos, porta-voz de Orunmila, divindade da profecia – este culto representa a maior classe de adivinhação da cultura Yorubá.
Nem sempre os babalawos estão em transe e seu trabalho é extremamente intelectual tendo que saber de memória centenas de lendas, signos e ritos. A ele também devemos total respeito e submissão religiosa ao passo que ele tem uma série de obrigações para com seus filhos e com seu povo. Temos notícias de Martiniano Eliseu do Bonfim (1859-1943), que é considerado o último babalawo dos que vieram inicialmente. Hoje com a migração africana e a chegada de babalawos cubanos (provenientes dos ritos de Santeria) temos outros babalawos e o Culto de Ifá vem crescendo novamente desde a década de 90.
A explicação sobre o termo babalawo explica a minha preocupação por chamarmos nosso queridoBabalorixá Pai Fernando de Babalaô.

O simples fato de não diferenciarmos o rito próprio da cultura   Yorubá   das outras culturas africanas como os  Nagô-Kètu  e os Bantos, com os quais temos ligações muito mais íntimas  – tendo po r conta a umbanda que praticamos no terreiro do Pai Maneco – me leva a interpretação deprimente espelhada no paradigma escravocrata que uniu todos os povos e culturas africanas num único termo: negros. Se nós que respeitamos todos os pretos-velhos e agradecemos pelos seus conselhos e carinhos, não vejo porque não respeitarmos os outros que ainda estão na Terra.

Eu não sei quem denominou Pai Fernando de Babalaô (tradução para o Brasil de Babalawo) e tenho certeza de que não o fez mal-intencionado, porém a reflexão profunda me leva a entender o quanto é errônea essa atribuição e o quanto ela ultrapassa os limites étnicos e éticos.
O bonito de termos um termo aludindo o Culto de Ifá é que a partir desta reflexão e contato podemos propor um diálogo com alguns de seus preceitos, como, por exemplo, seus 16 mandamentos sagrados, que são bonitos e iluminados. Mas isso é assunto para meu próximo texto. Axé, povo de santo!
Saravá Pai Maneco e Dona Maria Redonda. Salve Seu Akuan e Seu Sete ponteiras do mar. Saravá a luz de Aruanda. Salve nosso Babalorixá Pai Fernando de Ogum e nossa Ialorixá Mãe Lucilia de Iemanjá.

Referências bibliográficas
Glossários do Site do Terreiro do Pai Maneco
Definições da wikipedia
https://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o_tradicional_yorub%C3%A1
https://pt.wikipedia.org/wiki/Babala%C3%B4
https://pt.wikipedia.org/wiki/Orunmila
https://pt.wikipedia.org/wiki/If%C3%A1
Sites sobre os candomblés praticados pelas etnias africanas que aqui aportaram e suas diferenças
https://paimane.com/conversa-de-terreiro/babalorixa-ialorixa/
https://toluaye.wordpress.com/2010/10/15/os-16-mandamentos-de-ifa-nascem…
https://ocandomble.com/2011/12/24/o-que-e-ifa/
http://cassianodeayra.blogspot.com.br/2012/03/as-diferencas-entre-as-nac…

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