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O sincretismo cultural e seu papel na formação da Umbanda no Brasil.

Dentro das indagações do ser humano, o saber e o “falso saber” se confundem e a melhor maneira para se evitar esta confusão é a busca legítima do conhecimento.

Dentro das indagações do ser humano, o saber e o “falso saber” se confundem e a melhor maneira para se evitar esta confusão é a busca legítima do conhecimento. Seja esta busca de maneira espiritual (empírica) através da mediunidade e trocas com as entidades seja através de estudos e análises do conhecimento adquirido e publicado. Quando se trata de fé, diferente de outras variáveis estudadas e controladas no ambiente acadêmico, o empirismo e a magia do inexplicável devem ser levado em consideração e não refutado como de praxe pelo rigor metodológico necessário ao ambiente estritamente científico.

No contexto de discussão sobre sincretismo religioso, levando em consideração o pensamento sistêmico, o profano e o sagrado se misturam com a ciência, o empírico e a fé.

Orientados pelo principal objetivo de manter os pés no chão, iremos discutir e analisar o sincretismo dentro do paradigma da complexidade.

Na busca de referencial sobre esta temática, facilmente depara-se com uma quantidade inimaginável de textos que contêm “de tudo” (paixão, ideologia, preconceito, militância, ignorância, racismo e etc.) menos textos com sólido embasamento (fundamentação) e isenção de opiniões pessoais. Diante de tal constatação, torna-se óbvio que o questionamento da metodologia adotada na busca destes referenciais torna-se essencial.

Com base em diversos textos disponíveis na internet e bibliografias de referência, uma conclusão é possível: sincretismo é um tema polêmico e quando adicionamos a palavra Umbanda a um site de busca, o radicalismo se acentua. Alguns adeptos de outras religiões não escondem o preconceito e a ira que sentem contra essa corrente. Em muitos textos se encontrou calorosa guerra entre umbandistas e evangélicos, denotando a passionalidade do assunto que pouco contribui para o genuíno conhecimento.

Continuando a busca, dentro dos textos umbandistas identificam-se diversas opiniões, explicações, algumas a favor do sincretismo, outras contra, algumas de caráter científico, outras leigas, mas por hora nada que possibilitasse chegar a alguma conclusão.

Antes de prosseguirmos a pesquisa, buscamos auxílio nas mais tradicionais fontes de dados, que seriam o dicionário e a Enciclopédia.

A seguir a definição de sincretismo e umbanda:

Umbanda segundo o Aurélio (versão 2011): “1. Bras. Rel. Sincretismo nascido no Rio de Janeiro na virada do século XX e talvez derivado da cabula (q. v.), que já no fim do século XIX registra elementos bantos, espíritas e palavras do jargão umbandista atual; hoje, a umbanda apresenta-se fracionada em dezenas de grupos que englobam influências esotéricas, cabalísticas, orientais, católicas, etc. [Cf. macumba (3) e quimbanda (1).] 2. Angol. Artes da feitiçaria. Umbanda branca. Rel. Culto umbandista muito próximo ao kardecismo, que só trabalha para o bem e no qual só se usam roupas rituais simples e brancas; umbanda de branco, umbanda de cáritas, umbanda de linha branca. Umbanda de angola. Rel. Culto umbandista muito influenciado pelo candomblé de rito angola, tal como o culto omolocô (q. v.). Umbanda de branco. Rel. V. umbanda branca. Umbanda de cáritas. Rel. V. umbanda branca. Umbanda de linha branca. Rel. V. umbanda branca.”

Umbanda segundo a Enciclopédia (versão 2011): “UMBANDA s.m. (termo de origem banto, de significado análogo ao de quimbanda) Grão-sacerdote adivinho ou médico-feiticeiro. / – S.f. Bras. (RJ) Designação dos cultos afro-brasileiros, que se confundem com os da macumba e dos candomblés (BA), do xangô (PE), da pajelança (Amazônia), do catimbó (NE) e outros cultos sincréticos. / Terreiro onde se pratica esse ritual.”

Sincretismo segundo o Aurélio (versão 2011): “Substantivo masculino. 1. Filos. Tendência à unificação de ideias ou de doutrinas diversificadas e, por vezes, até mesmo inconciliáveis. [Cf., nesta acepç., ecletismo (1).] 2. Amálgama de doutrinas ou concepções heterogêneas: “As inteligências que mais ou menos diretamente nos governam estão com relação à administração ultramarina num estado de sincretismo bramânico, em que nada se compreende, em que nada se resolve” (Ramalho Ortigão, As Farpas, IV, p. 270). 3. Fusão de elementos culturais diferentes, ou até antagônicos, em um só elemento, continuando perceptíveis alguns sinais originários. 4. Psicol. Percepção global e indistinta, da qual surgem, depois, objetos distintamente percebidos.”

Sincretismo segundo a Enciclopédia (versão 2011): “SINCRETISMO s.m. Sistema filosófico ou religioso que tende a fundir numa só várias doutrinas diferentes; ecletismo. / Amálgama de concepções heterogêneas. / Psicologia Percepção global e confusa que, segundo certos psicólogos, seria a primeira percepção da criança, e da qual emergiriam em seguida objetos distintamente percebidos.”

Interessante notar o conjunto de palavras que surgiram nos instrumentos apresentados acima (dicionário e enciclopédia):

  • Elementos bantos, espíritas.
  • Influências esotéricas, cabalísticas, orientais, católicas.
  • Artes da feitiçaria.
  • Umbanda branca.
  • Muito próximo ao kardecismo.
  • Umbanda de branco, Umbanda de cáritas, Umbanda de linha branca e Umbanda de angola.
  • Influenciado pelo candomblé de rito angola.
  • Culto omolocô.
  • Origem banto.
  • Adivinho ou médico-feiticeiro.
  • Cultos afro-brasileiros.
  • Macumba.
  • Pajelança.
  • Catimbó.
  • Outros cultos sincréticos.

Partindo desta análise, pode-se inferir a complexidade e múltiplas influências que a Umbanda sofreu em seu longo caminho, desde a invasão das terras indígenas pelos portugueses, os séculos seguintes de dominação, exploração e miscigenação cultural em solo brasileiro até o seu surgimento, já no século XX. No termo sincretismo percebe-se a ideia de fusão, ligação de ideias (princípios filosóficos ou religiosos).
Sincretismo e Umbanda são inseparáveis, muitos autores diferem no grau de influência afro, kardecista, católica, indígena entre outras, mas praticamente em sua totalidade os autores concordam que a Umbanda é fruto do sincretismo.

Refletindo, será que existe alguma religião isenta de influências, isenta de sincretismo?
Será que existe um ser supremo legitimo (não sincretizado)? Seria o grande arquiteto, Zambi, Deus, Buda, Shiva, Krishna, Javé, Obatalá, etc? Os demais seriam derivações (consequências sincretizadas)?
Ou o homem dentro de sua grande limitação necessita de analogias, contextos para poder espreitar o divino?
E será que esta artimanha é que se sincretiza com outras artimanhas? Depois de tantas indagações torna-se legitimo pensar, os Orixás, os Deuses, não sincretizam! Quem sincretiza é o homem na sua ânsia compreender o divino.

Novamente, conclui-se que sem sincretismo não existiria a Umbanda. Falar em cultura e vida social no Brasil é falar no multiculturalismo, na influência de todos os povos que aqui estiveram entre eles negros, índios, povos asiáticos e do velho continente, como os jesuítas e a imposição do catolicismo, facilmente notável em nossos hábitos, fazeres e preconceitos cotidianos. Preconceitos não necessariamente negativos, mas sim na ideia de “pré – conceito” onde julgamos conhecer e realizamos um conceito “pré” mesmo sem conhecer. A existência do preconceito denota reflexos de uma cultura (e porque não dizer culturas).

Ressalta-se que quando se fala em povos índigenas e africanos no Brasil, estamos citando um sem número de culturas diferenciadas tanto pré-cabralinas (no tocante aos nativos desta terra), quanto africanas (no que diz respeito aos cativos vindos da África). Não é apenas citar o mito das três raças (brancos, negros e índios), mas sim uma enormidade de culturas, povos e jeitos de ver, viver e fazer a vida em sociedade e também de saudar e conviver com a religiosidade.

Com relação à Umbanda, partindo da linha de raciocínio que a mesma foi fundada por Zélio de Moraes, pode-se supor que a mesma possui um sincretismo pensado; o mestre Zélio e os precursores dessa nova corrente religiosa retiraram das macumbas cariocas uma série de conceitos que eram considerados primitivos, desnecessários ou ultrapassados e utilizaram hábitos e fazeres alinhados com o espiritismo Kardecista para a criação de uma nova religião que não poderia ser chamada de Kardecista ou afro-brasileira, mas mista (sincretizada). Ao retirar as práticas de suas origens e “mistura-las” em um novo ritual, estas perdem a personalidade que possuíam e passam a possuir novo significado dentro uma nova religião: Umbanda.

A máxima de que cada pai de santo toca seu ritual da forma que prefere resume bem essa ideia. Alguns tendem para o lado das africanidades, outros do espiritismo kardecista, outros candomblé e assim por diante. Ainda, existe uma forte influência católica, inegável no sincretismo criador da nossa religião.
É desse “caldo” cultural que nasceu a Umbanda.

Sincretismo, assim, tem vários significados. Mas o principal, no tocante à Umbanda, é a ideia de “bricolagem” ligada ao antropólogo Levy Strauss. Nessa teoria, as culturas só se “sincretizam”, se conectam formando novas culturas, nos pontos onde possuem semelhanças. Por exemplo, a cultura banta (africana) conectou-se com o espiritismo kardecista (de origem europeia) na questão relativa ao culto aos antepassados, à comunicação com espíritos. Os povos indígenas utilizavam os poderes mágico-religiosos de seus pajés para a cura, assim como outros povos africanos e os guias do oriente umbandistas.

Naquilo que possuem em comum, acontece o sincretismo: Ogum é São Jorge pelas características comuns do santo e do orixá enquanto guerreiros. Os caboclos de Ogum, desta forma, são uma ocorrência puramente umbandista, pois reúnem em si a manifestação da natureza do orixá ioruba (Ogum), a figura do caboclo (reconhecida como oriunda dos povos sertanejos unicamente do Brasil) e o imaginário católico sobre o Santo Guerreiro. Assim, da fusão de vários elementos nasce um personagem único, existente apenas em nosso país e na Umbanda, o Caboclo de Ogum.

Mesmo a ideia de um Deus maior é coincidente entre estas várias correntes religiosas: Zambi para os bantos, Jeová para alguns cristãos. Na internet existem referências dizendo que a origem da palavra “Oxalá” é Árabe, sendo uma distorção do famoso Inshalla (Deus queira, Deus permita), provavelmente uma reminiscência da dominação muçulmana em regiões do continente africano.

No Brasil, a grande ocorrência de dicotomias e convergências acabaram sendo criadoras de um multiculturalismo fantástico, inexistente em outras partes do planeta. A Umbanda pode ser entendida tanto como fruto e filha desta “panela de pressão” étnica, como seu principal exemplo, pois possui em seu corpo exemplos de tudo e todos que constituem nossa nação e cultura.

Longe de estar “pronta”, essa nova corrente religiosa vai se adaptando aos tempos, evoluindo junto com o ser humano e, sem sombra de dúvidas, fortalecendo sua personalidade enquanto religião desprovida de dogmas e regras rígidas, mostrando sua seriedade e virtudes, derrubando preconceitos e quebrando paradigmas.


Grupo de Estudos Terreiro do Pai Maneco
O sincretismo cultural e seu papel na formação da Umbanda no Brasil.

Edgar Cavalli Junior
Paulo C. Porto Martins
Rodrigo Fornos

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