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Intolerância Religiosa, por Claudia Basso Carneiro de Siqueira Astuti

Os direitos fundamentais são resguardados pela Constituição Federal, dentre os quais destacamos o direito à liberdade de crença, o direito ao livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e suas liturgias, previstos no inciso VI do artigo 5º [1].

Lamentavelmente, em nosso país, verificamos um crescente desrespeito ao constitucional direito de alguns grupos de vivenciarem sua religião, especialmente os grupos espiritualistas, de origem africana ou ainda a Umbanda, que é genuinamente brasileira.

Os constantes ataques a centros espíritas, terreiros de candomblé e de umbanda são noticiados, mas não se percebe a adoção de medidas eficazes para coibir tais práticas ou a instituição de amplas políticas públicas de conscientização e educação.

As vítimas se encolhem, amedrontadas, e em raras exceções formalizam representações criminais nas delegacias de polícia exigindo as devidas providências, única forma dos agressores serem responsabilizados.

Em Curitiba, por iniciativa do Ministério Público Estadual, a Secretaria de Segurança Pública instituiu o atendimento especializado às vítimas de intolerância religiosa na Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa – DHPP. É possível fazer a denúncia pelo telefone 0800~6431-121 ou pessoalmente na Avenida Sete de Setembro, 2077, próximo a Rodoferroviária.

A intolerância religiosa não é um problema social exclusivo dos brasileiros. Atualmente verifica-se o impacto global de um novo fenômeno de violência religiosa, o hiperextremismo, que tem o objetivo de substituir o pluralismo por uma monocultura religiosa.

O Brasil tornou-se um Estado laico com o Decreto nº 119-A, de 07/01/1890, de autoria de Ruy Barbosa. Até então havia liberdade de crença no Brasil, mas não havia liberdade de culto, pois quem pretendia realizar culto de religião diferente tinha que fazer secreta e discretamente em sua própria residência.

A Constituição Federal, estabelece em seu artigo 19, inciso I, a vedação ao Poder Público de estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles, ou seus representantes, relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Por força desse dispositivo constitucional, diz-se que o Brasil é um Estado laico, ou seja, onde há liberdade religiosa.

Conforme leciona Celso Lafer, “laico significa tanto o que é independente de qualquer confissão religiosa quanto o relativo ao mundo da vida civil”. E Lafer prossegue asseverando: “em um Estado laico, as normas religiosas das diversas confissões são conselhos dirigidos aos seus fiéis e não comandos para toda a sociedade”.

Apesar da proteção constitucional existente em nosso país, constantemente são registradas denúncias por agressões físicas e materiais em razão da intolerância religiosa. Os agressores não se intimidam, talvez pela certeza da impunidade.

O Governo Federal instituiu, em 2009, o Plano Nacional de Direitos Humanos, e entre seus objetivos estratégicos estabeleceu o respeito às diferentes crenças, liberdade de culto e a laicidade do Estado. E criou o Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa (CNRDR). A iniciativa é referência para o desenvolvimento de ações que assegurem o direito dos cidadãos de exercer as diversas práticas religiosas.

Apesar destas medidas políticas que visam a pacificação social, lamentavelmente, a intolerância religiosa está aumentando assustadoramente.

Em 25/10/2018, o Governo Federal informou que, no ano anterior, registrou 537 casos de agressão por intolerância religiosa. As religiões afro brasileiras são os principais alvos dos ataques, que incluem destruições de terreiros e violências físicas. Dados do Ministério dos Direitos Humanos (MDH) mostram que, entre janeiro de 2015 e o primeiro semestre de 2017, foi constatada uma denúncia a cada 15 horas.

É importante lembrar que a maior parte das vítimas não faz registro da ocorrência, não busca o amparo da polícia, muito menos do Poder Judiciário.

Em 21 de janeiro é celebrado “O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa”, instituído pela Lei nº 11.635/2007. A data rememora o dia do falecimento da Ialorixá Mãe Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum (BA), vítima de intolerância por ser praticante de religião de matriz africana. A sacerdotisa foi acusada de charlatanismo, sua casa atacada e pessoas da comunidade foram agredidas.

Nosso país, de enorme dimensão territorial, tem espaço para que todos possamos vivenciar democraticamente nossa opção religiosa.

Jesus, quando veio à Terra, instituiu a religião do amor, do perdão, da tolerância.

Os homens fundaram as diversas religiões que hoje conhecemos, instituíram seus dogmas, princípios e objetivos.  Jesus não fundou o catolicismo, nem o protestantismo, nem nenhuma outra religião.

Portanto, é inaceitável que um grupo religioso pretenda se impor de forma autoritária sobre a sociedade, estimulando rixas, agressões, discriminações, ofensas, destruições.

É preciso reagir e lutar pela conscientização social de que todos temos o direito de escolher e praticar livremente a religião que quisermos.  É preciso exigir do poder público a adoção de severas medidas para responsabilizar os intolerantes, bem como para proteger as vítimas.

[1] Artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI – e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

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