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Homenagem a J.B. De Carvalho no Terreiro do Pai Maneco

Por Edgar Cavalli Junior e Sara J. Santos

Depois de tanto tempo de restrição e isolamento a que fomos submetidos ao longo da pandemia de Covid-19, poder celebrar juntos na tradicional festa de fim de ano do terreiro tem um sabor extra de satisfação e alegria. É o fim de semana que esperamos para nos encontrar e compartilhar alegrias, fortalecer o senso de pertencimento a comunidade religiosa. Ali se encontram médiuns de todas as correntes, assistência, tanto do Terreiro Pai Maneco, quanto de outros terreiros. É o dia de celebrar ser um elo dessa corrente de ferro e de aço que é o Terreiro Pai Maneco, e mais que isso, é dia de celebrar o “Ser Umbandista”.

Para tanto, contamos sempre com apresentações culturais, oráculos, terapias, feirinha de produtos artesanais, brinquedos para a criançada e nossas comidinhas deliciosas. E aproveitamos para homenagear entidades e figuras históricas que contribuíram para que a Umbanda se consolidasse e se fortalecesse ao longo de sua existência, mesmo em meio a todos os enfrentamentos que sempre se fizeram necessários para que a intolerância não vencesse a fé.

Neste ano, o destaque foi o Bloco “Rei da Macumba”, projeto liderado pelo Pai Bitty de Ogum e integrando participantes de várias engomas do Terreiro do Pai Maneco. O objetivo principal desse grupo é aliar cultura umbandista com musicalidades, resgatando uma das principais figuras da Umbanda no séc. XX: J.B. de Carvalho.

Mas quem foi J.B de Carvalho e qual sua importância para a Umbanda? João Paulo Batista de Carvalho foi autor de centenas de sucessos que cantavam e homenageavam a Umbanda e os Orixás entre as décadas de 1930 e 1970. Muitos dos pontos mais conhecidos e cantados em terreiros pelo país inteiro são de sua autoria. Para se ter uma ideia, são mais de 150 músicas como autor e aproximadamente 220 como intérprete.

Fonte:https://www.discogs.com/

Vale aqui uma breve contextualização histórica: As décadas de 1930 e 1940 contam os primeiros anos da ditadura do Estado Novo, motivada pela continuidade do golpe de Estado de 1930, que colocou Getúlio Vargas no poder. Entender a ideologia estadonovista é chave para compreender como se formou a Umbanda, visto que a participação de umbandistas nos governos Vargas é que permite a continuidade e o crescimento de terreiros em todo o país.

A ditadura varguista era contrária à ideia de um país dividido; para tanto, buscou unificar o ideário de nação em um centro de controle, ao qual se submetia todo o resto. Assim, estados deveriam perder sua força individual em prol de um governo central forte; a política residia na figura do ditador, de onde o poder emanava; o povo brasileiro – geralmente o último que a ser informado mas o primeiro a sofrer – passa a ser pensado e entendido como um único e miscigenado grupo social, fruto do mito das 3 raças.

É nesse ponto que devemos concentrar nossa atenção; na contradição da proposta totalitarista de Getúlio, nas contradições de um ideal de nação racista e excludente. Afinal, como pensar um povo oriundo da miscigenação de 3 raças, se nem raça existe entre seres humanos? E ainda, como pensar em um número limitante sendo da ordem de centenas as contribuições culturais existentes no Brasil? Como vamos pensar um Brasil “mulato”, “mestiço”, “miscigenado”, na década de 1930, apenas 40 e poucos anos após a libertação de milhares de trabalhadores que tinham sua força de trabalho escravizada se, durante todo o final do séc. XIX e início do séc. XX, levas de imigrantes (vindos da Europa, mas também da Ásia) chegaram ao Brasil?

Não podíamos. Nesse sentido, a ideologia do Estado Novo, que flertava abertamente com o Nazifascismo europeu, se propõe a criar um país onde não haveriam mais brancos ou indígenas (“engolidos” no turbilhão civilizador da imigração europeia), centralizados na figura de um governo forte, autoritário e centralizador.

Neste contexto, surgem diversas ações estatais, com viés totalmente ideológico, que buscando forjar uma identidade brasileira a fim de ser consumida dentro e fora do Brasil, como um Brasil real, fruto de uma pacífica mistura entre as raças, disfarçavam, na verdade, o real objetivo do branqueamento da nação. Dois exemplos pontuais dessa política cultural são as figuras de Carmen Miranda e Zé Carioca. Que se pese que aqui não estamos tecendo uma crítica ao belíssimo trabalho da cantora, mas trazendo um questionamento. Seria uma portuguesa branca, que reivindicava a baianidade, cantando um samba relativamente carioca a representante ideal da cultura brasileira?

E assim, na terra em que Carmen e Zé Carioca nascem para nos salvar do nazismo, desmistificar preconceitos e criar pontes – ao menos era esse o objetivo de Vargas – , João Paulo Batista de Carvalho uniu “brazis”. Mostrou a força da macumba e o amor pela sua Umbanda na música, no teatro, no rádio. Teve grande audiência por onde passou, tendo sua última incursão radialística na década de 1970. E quem o conhece?

Nesse contexto geral de racismo, modernidade e centralização, a Umbanda floresce como uma religião que, acomodando–se às perseguições da época, dialoga com a ideologia excludente e sobrevive, mantendo seus rituais e seus orixás e seu sincretismo intactos.J.B. de Carvalho bem sabia disso. Afinal dizia – se amigo pessoal do ditador Vargas. Mais de uma vez, ao ser preso, disse para quem quisesse ouvir: “Sou amigo do presidente.” Fosse ou não verdade, sempre era solto, sem nunca ser molestado.

Sua enorme produção musical dialoga sobremaneira com o contexto histórico da época, trazendo para seus discos tanto o sincretismo próprio das macumbas cariocas do período como o diálogo com o espiritismo e o catolicismo proposto pela intelectualidade umbandista da época. Uma prova disso é seu disco “Natal e Festas de Umbanda”, de 1969, criticado à época como extremamente comercial. Vale notar que no ano de lançamento desse disco o Brasil já havia sofrido outro golpe de Estado e estávamos em outra ditadura.

As décadas de 1930 e 1940 veriam o florescimento do melhor de J.B. de Carvalho, onde suas produções musicais e apresentações com o Conjunto Tupi levaram não apenas a música, mas também apresentações umbandistas para o grande público. O carnaval de 1932 ficou conhecido como “o carnaval da macumba”, não apenas mas, em boa parte, por influência de sua música de setembro de 1931 “Cadê Viramundo”, sucesso absoluto, cantado nas ruas durante as festividades do ano seguinte.

J.B. de Carvalho (Fonte: www.marcelobonavides.com)

Curiosamente, tendo ou não ouvido falar dele, certamente você, que frequenta terreiros de Umbanda, canta suas canções. As músicas e discos de J.B. de Carvalho, tanto em seus discos solo como com o Conjunto Tupi, fizeram enorme sucesso e muitas delas permanecem até hoje sendo cantadas e tocadas nos terreiros de Umbanda pelo mundo afora. São exemplos de músicas famosas no imaginário umbandista entre suas composições Cadê Vira – Mundo (1931), Meia – Noite (1935), Pomba – Gira (1936), Ererê (Caboclo 7 flechas, 1953) e Ogum Sete Ondas (Pisa na linha de Umbanda, 1961).

Uma excelente fonte para conhecer e entender o mundo, a vida e os inúmeros contatos na cena cultural carioca de J.B. de Carvalho é a dissertação de Mestrado em História de LEON ARAÚJO “Sou da macumba e no feitiço não tenho rival” A música negra de J. B. de Carvalho e do Conjunto Tupy (1931-1941),” facilmente encontrada na internet.

Ali descobrimos um homem multifacetado em J.B., compositor umbandista, estivador, pugilista, chofer, radialista, piloto, sambista e macumbeiro. E, nesse ínterim, ligado diretamente a grandes nomes da cultura da época, como Mário de Andrade, Pixinguinha, Getúlio Marinho, Mano Elói entre outros.

Fica aqui nossa homenagem a esse grande divulgador da mensagem umbandista, personagem ímpar em tamanho e importância para nossa História, que comemoraria 120 anos em 2022.

FONTES:

Araújo. Anderson L.A. de. “Sou da macumba e no feitiço não tenho rival” – A música negra de J. B. de Carvalho e do Conjunto Tupy (1931-1941). – Rio de Janeiro, 2015. Dissertação (Mestrado em História) –Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Departamento de História, 2015. Disponível em: https://www.historia.uff.br/stricto/td/1964.pdf

Pedro Paulo Malta.. Cadê J. B. De Carvalho…? Algumas lembranças do ‘rei da macumba’ nos 120 anos de seu nascimento. Disponível em: https://discografiabrasileira.com.br/

Cavalli Junior, Edgar. Religião, racismo e Estado : a umbanda e a construção da nação brasileira nos séculos XIX/XX. – Curitiba, 2020. Dissertação (Mestrado em História) – Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná.
https://hdl.handle.net/1884/69803

Cavalli Junior, Edgar. Fornos, Rodrigo. Porto-Martins, Paulo C. O sincretismo cultural e seu papel na formação da Umbanda no Brasil. Disponível em: https://www.paimaneco.org.br/2012/01/30/o-sincretismo-cultural-e-seu-papel-na-formacao-da-umbanda-no-brasil/

J.B de Carvalho – O Batuqueiro Famoso. Disponível em:
https://www.marcelobonavides.com/2013/08/j-b-de-carvalho-o-batuqueiro-famoso.html
https://www.discogs.com/artist/3699953-J-B-De-Carvalho

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