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FESTA DA BOA MORTE, FESTA DA VIDA E DA RELIGIOSIDADE AFRO-BRASILEIRA

A Festa da Nossa Senhora da Boa Morte ou só Festa da Boa Morte acontece desde o século XIX na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano. É uma das festas mais importantes do calendário religioso da Bahia.

E este ano foi ainda mais especial com a participação dos irmãos de corrente do Terreiro do Pai Maneco (TPM), isso sem qualquer pretensão. Porque há uma conexão direta entre o TPM e a Festa da Boa Morte. Foi o Pai Fernando de Ogum que primeiro teve contato e que foi conhecer a festa.
De lá, ele trouxe um legado para o TPM e agora este mesmo legado foi revivido e ampliado. Só mesmo a narrativa de quem esteve lá para descrever a profundidade e a amplitude desta festa que explícita toda a espiritualidade e religiosidade do povo brasileiro.
Foi um encontro único e emocionante entre a Umbanda Pés no Chão e o Candomblé da Bahia, num respeito mútuo e numa integração espiritual construtiva.

FOTOS MÃE LUCILIA DE IEMANJÁ

PARA ENTENDER A FESTA
Tudo começou com a Irmandade da Boa Morte, uma confraria católica de mulheres negras que representam a ancestralidade dos povos africanos por meio do Candomblé. Uma das primeiras entidades de luta feminina do Brasil fundada em 1820.
O objetivo da Irmandade, além de cultivar a devoção a Nossa Senhora da Boa Morte, era arrecadar fundos para comprar cartas de alforria, dar proteção e encaminhar negros fugidos e lhes propiciar funerais dignos. A Festa é um evento religioso, marcado por missas e procissões, além de inúmeras atividades relacionadas aos cultos afro-brasileiros, com música, dança e culinária.

Emocione-se ao ler os depoimentos sobre a Boa Morte a seguir:

MÃE LUCILIA GUIMARÃES DE IEMANJÁ
TROUXEMOS UM LEGADO DESSE REENCONTRO ESPIRITUAL

Nossa primeira visita a Cachoeira, cidade do Recôncavo Baiano, para a Festa da Boa Morte aconteceu por conta de uma senhora que escrevia ao Pai Fernando de Portugal. Entre muitas trocas de e-mails veio a informação de que ela era devota da Nossa Senhora da Boa Morte.

Isto ficou na cabeça dele até que, em conversa com Aline e Bertrand, soubemos que os portugueses haviam trazido esta tradição para a região do Recôncavo Baiano.

E lá fomos nós, seguindo o Pai Fernando. Quatro dias de devoção, liberdade religiosa e política, visto que a procissão foi criada por um grupo de mulheres negras feministas de queriam a abolição da escravatura.

RETORNO

Sete anos depois, retornamos a Cachoeira e desta vez mais seguros de nossa espiritualidade, de nossas lutas e de tantos ensinamentos espirituais que estes anos nos deram.

Cabe dizer aqui, que esta festividade incorpora elementos da cultura afro-brasileira, é um festejo centenário e só admite mulheres e ainda, com mais de 50 anos e que são adeptas do Candomblé e que sincreticamente se transformam em beatas.

Não vou me estender com história, isto está nos livros, nos relatos, é muito fácil consultar. Quero contar a minha experiência como mãe de santo.

Nenhum outro lugar nos permitem andar com guias penduradas sem vergonha. Em Cachoeira ninguém faz julgamentos de seu credo, tudo se mistura.

As músicas afro-religiosas ecoam o dia inteiro na cidade como um mantra, o que me fez lembrar da Índia e seus sinos. Anda-se descalço, anda-se com turbantes, permite-se ser exatamente o que você é em sua linguagem espiritual ou devota de São Roque, São Lázaro, São Qualquer Um, Exu ou Caboclo.
No mais, penso que trouxemos um legado. No encontro com outros dirigentes das religiões afro-brasileiras ganhamos de presente muitos pontos de entidades brasileiras: marujos, caboclos e boiadeiros. Todos trazendo a cor verde amarela e a bandeira como tema. Foi encantador!

Quero também dizer que neste mesmo encontro senti o carinho dos amigos Zé do Bode, do Fory, do Zé e da Alzira, que em nossas rodas em nenhum momento cantaram ou puxaram pontos em Iorubá ou com qualquer referência ao Candomblé. Não porque isso nos agrediria, mas por respeito à Umbanda e, principalmente, para compartilharmos de nossas semelhanças e não das nossas diferenças.

Demais! Saravá!

PAI CACO DE XANGO
A NOSSA UMBANDA NA BAHIA

Quem é que pode avaluá
O amor de um Pai
E o amor de uma Mãe

O que nos levou à histórica cidade de Cachoeira na Bahia?

Em fevereiro deste ano Mãe Lucilia nos avisa da intenção de formar um grupo para viajar novamente para a cidade de Cachoeira. Sim, outra viagem, pois há exatos sete anos o Pai Fernando e um grupo de médiuns do Pai Maneco tinham visitado este patrimônio histórico nacional com seus casarões e igrejas de arquitetura do Brasil colonial.

Fica em Cachoeira a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, entidade que surgiu há mais de cento e cinquenta anos nas senzalas locais que abrigavam escravos dos engenhos de cana de açúcar, constituída exclusivamente por mulheres negras que tinham como objetivo alforriar escravos e auxiliá-los na fuga encaminhando-os para o Quilombo do Malaquias, na zona rural da cidade.

Este seria o objetivo da viagem. Acompanhar os festejos e a procissão de Nossa Senhora de Boa Morte na qual as mães de santo da irmandade desfilam pelas ruas da cidade até chegarem à Igreja de Nossa Senhora onde são recebidas por padres para participam da cerimônia religiosa católica.

Três dias seguidos de procissão, cada dia com uma veste diferente. Belíssimas. Curiosa comunhão entre a Igreja Católica e as mães de santo do Candomblé. Só mesmo na Bahia. Maravilhosa harmonia entre credos e cultos tão diferentes.

E lá estávamos nós, nem católicos nem candomblecistas. Umbandistas do Paraná em busca de… Umbandistas do Pai Maneco procurando… Em busca de quê? Procurando o quê? Esta é a pergunta. Nada é por acaso. O que teria levado Mãe Lucilia a desejar esta viagem?

Ninguém sabe avaluá
O amor de um Pai
E o amor de uma Mãe

Cachoeira foi a cidade baiana que mais escravos recebeu depois de Salvador. Na época da abolição, somavam mais de seis mil. Cachoeira, como os demais municípios do Recôncavo Baiano sofreu grande influência da cultura africana, principalmente dos negros de origem bantu, escravizados para trabalhar nos engenhos de cana de açúcar.

Como herança dos negros ficaram a religiosidade e os quilombos. A religiosidade é marcada pela Irmandade da Boa Morte e pela diversidade dos terreiros de Candomblé. As comunidades remanescentes dos quilombos ainda se mantêm preservadas a exemplo dos quilombos de Dendê, Engenho da Ponte, Calembá, São Tiago do Iguape e Caonge.

Além disso, a religiosidade se espalha por toda a cidade. Por exemplo: o local onde hoje funciona um pequeno bar e lanchonete de nome Kfua foi em épocas distantes uma senzala. Dentro dele há um local de culto ao Sr. Omolu.

Só o bom filho é que sabe avaluá
O amor de um Pai
E o amor de uma Mãe

Num encontro com um pai de santo do Candomblé, durante o almoço, ouvimos seus pontos cantados e cantamos os nossos de Umbanda numa harmoniosa troca de ritmos. Ora Umbanda, ora Candomblé. Valiosa troca de informações. Gravamos muitos os quais serão em tempo certo divulgados.

Entretanto, um deles foi imediatamente assimilado por todos os membros do nosso grupo e “grudou” em nossas cabeças. Foi cantado durante todos os demais dias em que lá permanecemos como também no ônibus e no avião que nos trouxe de volta. Este ponto é cantado numa gira de caboclos que é realizada uma única vez por ano no terreiro da Bahia. Pronto, estava explicado: ponto de caboclo, por isso gostamos tanto.

Quem é que pode avaluá
O amor de um Pai
E o amor de uma Mãe

Ninguém sabe avaluá
O amor de um Pai
E o amor de uma Mãe?

Só o bom filho é que sabe avaluá
O amor de um Pai
E o amor de uma Mãe

O ponto refere-se aos pais e mães de santo dos terreiros, muitas vezes tão criticados e até mesmo combatidos, e afirma que apenas os bons filhos e filhas de santo é que conseguem avaliar (avaluá) o amor imenso existente nos corações de seus dirigentes e o zelo que eles têm para com seus filhos.

Mas o auge mesmo de nossa viagem foi a maravilhosa gira de caboclos que realizamos numa belíssima cachoeira no meio de uma mata esplendorosa. Trezentos ou quatrocentos metros de descida íngreme até chegarmos àquela cachoeira de Oxum, de Oxóssi, de Xangô e porque não de Iemanjá, Iansã e Oxalá.

Oxum pelas águas do rio em queda, Oxóssi pela mata exuberante em torno da cachoeira, Xangô pelas pedras imensas por todos os lados, Iemanjá que receberá estas águas em breve, Iansã que na primeira chuva fará com que o volume de água aumente tornando a cachoeira inquieta e Oxalá ali presente na espuma branca produzida pelo movimento das águas.

Sim, todos os Orixás e todos os caboclos da Umbanda ali presentes naquele momento mágico. O Sr. Folha Verde prepara um colchão de ervas sobre uma pedra quase plana e chama cada um dos médiuns ali presentes para deitarem e receberem um axé, uma força, uma limpeza um descarrego, um sei lá o que.

Só sei que foi bom, muito bom. Quando chegamos a mata estava vazia. Ao sairmos centenas, talvez milhares de índios escondidos atrás de folhas de um tipo de folha de palmeira que lembra janelas venezianas nos observavam com respeito e admiração pelo trabalho realizado pelos irmãos espirituais da nossa tribo.

A tribo do Sr. Akuan, a tribo do Sr. Folha Verde, a tribo de todos os caboclos, a tribo da Umbanda Brasileira. Se a descida íngreme para chegar à cachoeira foi difícil de ser vencida, após o trabalho passei a mão num atabaque e subi os trezentos e tantos metros com um pé nas costas tal foi a força e a energia que nos invadiu naquele trabalho. E a sensação que tive foi a de que enquanto subíamos a montanha os índios que nos observavam de mãos dadas faziam uma dança batendo os pés no chão como se dissessem: -Voltem, nós gostamos disso. Se Oxalá permitir um dia voltaremos com um grupo muito maior e faremos uma gira de Umbandistas do Paraná, Umbandistas do Pai Maneco, para o povo do Candomblé baiano.

E assim fez-se a resposta à pergunta: o que fomos fazer em Cachoeira? Muito mais que buscar algo, fomos levar. Levar a nossa Umbanda, a Umbanda de Caboclos brasileiros, a Umbanda de paranaenses, a Umbanda que nos foi trazida pelo Sr. Akuan por intermédio do dom magnífico do Pai Fernando.

A Umbanda renovada em seus rituais e, sobretudo, em seus cantos, a Umbanda moderna que canta e encanta a quem a conhece. E, por fim, restou uma certeza: a de que estamos no caminho certo e de que temos uma responsabilidade imensa de bem representar nossa religião.

Que assim como nós observamos e respeitamos os espíritos que trabalham na Umbanda, eles também nos observam e respeitam e devemos todos honrar este respeito. Devemos honrar nossos dirigentes, devemos honrar nossos pais e mães de santo, pois só um bom filho e que sabe “avaluá” o valor de um pai e valor de uma mãe.

MARIA CRISTINA MENDES
LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Um duplo olhar sobre a placa da Capela da Boa Morte

O sincretismo religioso que acontece no Brasil durante o período colonial costuma ser explicitado através da união de atributos de santos católicos e características de Orixás africanos. Muito embora este processo sofra significativas variações nas diversas regiões brasileiras e seja alvo de profundas críticas por parte de adeptos de ambas as religiões, é um fato dado e dele se nutrem inúmeras explicações sobre a atuação e importância dos Orixás.

A Festa da Nossa Senhora da Boa Morte é o principal evento brasileiro a exemplificar este tipo de adaptação religiosa e cultural: a Irmandade da Boa Morte, formada por mulheres com mais de 40 anos e mães de santo de diversas nações que cultuam o Candomblé, celebra a morte, o enterro e a ascensão de Nossa Senhora, santa católica cuja devoção por parte das afro-descendentes remete à concretização da abolição da Escravatura.

Dentre o conhecimento adquirido durante os festejos, opto por destacar um elemento cujo teor poético remete aos estudos da poesia visual, quando as palavras, para além de uma multiplicidade de sentidos, evidenciam trocas culturais peculiares.

Do lado esquerdo da porta de entrada da Capela da Boa Morte, está encravada uma pedra com a seguinte inscrição: Louvado seja o Santíssimo Sacramento. A aparente dificuldade de entendimento da frase revela, a um olhar mais atento, uma das maneiras de se abordar o sincretismo.

Na primeira linha, a união das letras u e v da palavra louvado, se transformam em w, e facilmente se consegue ler Owa, ou Oyá, um dos nomes de Iansã, Orixá dos ventos e das tempestades.
Na abreviação do vocábulo santíssimo, da segunda linha, pode-se ler também Ossaim, Orixá das folhas, cultuado no Candomblé.

Na terceira e última linha desta espécie de haicai afro-brasileiro, no final da palavra Sacramento, com uma pequena inversão de letras pode-se compreender a homenagem à nação Keto, uma subdivisão do grupo étnico Yorubá, uma das várias nações que compõe a irmandade.

Este tipo de sincretismo não poderia ser realizado por pessoas de pouca cultura ou iletrados. Sabemos que, em função da importância da cidade de Cachoeira no início da colonização brasileira, os negros que lá se estabeleceram procediam de localidades africanas cuja influência muçulmana implicava grande conhecimento científico e cultural. Seriam, portanto, muito mais cultos que os portugueses e demais habitantes da região na época.

Ainda que, diferentemente do Candomblé (e seu estreito vínculo com a ancestralidade africana), os rituais da Umbanda se valham da cultura indígena e do kardecismo europeu, a festa de Cachoeira, para o umbandista, é uma imersão na energia dos pretos e pretas-velhas, pois tivemos a mais plena convicção de que muitas das entidades que recebemos no Terreiro Pai Maneco tiveram uma encarnação na Bahia e lá são cultuadas até hoje.

Além das questões religiosas que levariam mais tempo para serem traduzidas em palavras, guardo esta espécie de alegria conceitual: a placa da capela, cujo teor sincrético é concretizado pela capacidade de extrair sentido poético da palavra escrita, servindo simultaneamente a dois propósitos distintos: louvar a mãe de Jesus do catolicismo sem perder a força de Oyá, Ossaim e Keto, representantes das origens africanas.

GUSTAVO GUIMARÃES
OCORRE QUE NA BAHIA DE TUDO OCORRE

Conheci Cachoeira, cidade à beira do rio Paraguaçu, no Recôncavo Baiano, durante os festejos de Nossa Senhora da Boa Morte.

Festividade tão tradicional quanto sui generis, onde as integrantes da Irmandade da Boa Morte, senhoras negras netas da escravidão brasileira, saem em procissão simbolizando a morte e Assunção de Nossa Senhora, seguidas por uma multidão das mais variadas origens, numa devoção católica muito permeada pela cultura da ancestralidade afro.
Ocorre que na Bahia de tudo ocorre.

Pais e mães de santo do Brasil inteiro se misturam aos fiéis católicos, estudantes da Faculdade Adventista, gringos festivos e ao povo local, para três dias – um tanto ecléticos – de muita fé, comida farta e do mais profano samba de roda na praça da cidade.

Noutra praça (e praça é o que não falta em Cachoeira) vi um ritual de Candomblé interessantíssimo, não somente pelo ritual em si, mas pelo justo fato de ser numa praça, aberto a quem quiser participar, e quem não o faz também não se opõe: passa carro com o som no talo, criança brincando, camelô vendendo, barco chegando e saindo, tudo numa boa.
Ninguém se incomoda com a fé alheia. É que no fundo o baiano tem orgulho dessa liberdade, dessa cultura do ecletismo e da miscigenação, verdadeira antítese do escravagismo.

Para entender melhor o cerne do ser brasileiro, eu recomendo Cachoeira, a cidade do Axé.

FERNANDO CECCHETTI
FOI EMOCIONANTE E GRATIFICANTE CONHECER CACHOEIRA

Participar da Festa da Boa Morte em Cachoeira na Bahia foi uma oportunidade única de conhecer melhor o passado e voltar os olhos em direção ao futuro. Fui para esta viagem com o coração aberto e com pouca noção do que me esperava, hoje sou muito grato por esta oportunidade.

Respiramos batuque 24 horas por dia em uma experiência cultural, turística e religiosa. Comemos, bebemos e vivemos a cultura ancestral da formação de nosso povo. A festa é Patrimônio Imaterial da Bahia desde 2010 e atrai pessoas de todo o mundo, nela os cultos afro religiosos que sempre foram considerados profanos e os cultos tradicionais católicos convivem pacificamente com respeito mútuo e com muita dignidade.

É emocionante perceber como as religiões e suas diferentes manifestações de fé podem se respeitar e conviver pacificamente. Os padres abrem as portas das igrejas em reconhecimento à força da devoção da Irmandade da Boa Morte, onde as irmãs, após realizarem seus rituais no Candomblé, rezam e respeitam os rituais católicos, para ao fim, comerem e sambarem em celebração à vida.

A Irmandade da Boa Morte é uma organização secular que teve origem em Salvador, nos idos de 1820, onde as mulheres negras e ligadas aos cultos afro-religiosos – que já haviam conquistado a sua liberdade – organizaram-se para promover a afirmação política dos negros na sociedade baiana e lutar pelo fim da escravidão. Para fugir da perseguição política, mudam-se para Cachoeira e fundam a Casa da Estrela, onde comercializam alimentos e produtos ligados à sua religiosidade, para com o seu lucro, contribuir na alforria de seus irmãos cativos.

A Bahia é o berço da colonização brasileira e o recôncavo baiano sempre foi um dos lugares mais importantes de sua história. A partir do século XVI, a implantação das cidades e das missões jesuíticas católicas contribuíram para a integração de negros, índios, mulatos, mestiços e europeus.

Em contato com o cristianismo, índios e negros rebelados começaram as primeiras manifestações de sincretismo religioso e também os fundamentos do que séculos mais tarde viria a se tornar a Umbanda.

Penso em Sêo Folha Verde e na gira onde, ele incorporado em Mãe Lucilia, trouxe para o terreiro os missionários que tanto fizeram mal ao seu povo. Também penso nos negros escravizados que começaram as plantações de fumo do recôncavo baiano e nos boiadeiros que ligavam São Félix com o sertão adentro.

De Cachoeira, cidade heroica, partiu a primeira marcha pela independência do Brasil, com negros, índios e portugueses juntos, meses antes de sua proclamação. Cachoeira sempre esteve à frente do seu tempo, inclusive nos dias de hoje, quando inspira o respeito pela diversidade, pelo empoderamento feminino e pela dignidade do povo negro e de todas as minorias.

A integração que tivemos com a comunidade e com alguns representantes dos terreiros locais foi gratificante. O Terreiro do Pai Maneco foi tratado com reverência e respeito. Pai Fernando, sempre à frente do seu tempo, foi o incentivador deste intercâmbio e liderou a primeira viagem para esta festa a alguns anos atrás.

Ver Mãe Lucilia, hoje, sendo reconhecida na Bahia como uma líder religiosa de grande porte nos dá muita confiança e a segurança de que continuamos no caminho certo, também aumenta a dimensão de nossa responsabilidade.
Todos buscamos a evolução, o amor e a paz entre os povos. Nossa casa possui ramificações na Bahia. Aline que gentilmente nos recebeu, e Didi, representam nossos pés naquele chão. Juntos seguimos nossos princípios fazendo parte desta rede da religiosidade brasileira.

Foi emocionante estar lá e poder participar de um pequeno ritual de caboclos aos pés de uma linda cachoeira, éramos poucos, mas éramos o Terreiro do Pai Maneco, de Curitiba e da Bahia. Nossa conexão traça mais uma linha nessa enorme teia.

Após essa viagem, respeito mais e compreendo melhor os cultos ancestrais afro-brasileiros – ligados com a tradição e com o passado – porém percebo que a Umbanda tem para nós um outro significado.

A Umbanda nos mantém conectados com a nossa vida urbana contemporânea e com o futuro. Nossos guias viveram a formação desse Brasil, mas hoje estão nos auxiliando na preparação do futuro da religião, simplificando nossos rituais, embasando a Umbanda Pés no Chão de Pai Fernando de Ogum.

Somos do canto simples, das palmas e da batida comandada por Sêo Ogan Kaian, da força da corrente e da incorporação consciente, somos do uso das ervas, do amalá feito com simplicidade, da boa intenção e do amor no propósito pela cura. Nosso terreiro tem axé, o nosso axé.

Por fim, penso nas cores e nos seus significados nesta celebração. O branco, o preto e o vermelho são usados, respectivamente, nos trajes das irmãs da confraria, durante os três dias de procissões.

O branco representando a paz, a espiritualidade e a devoção por Oxalá. O preto representando o luto e o respeito por Nossa Senhora e pelas irmãs mortas. O vermelho representando a vida. Branco, preto e vermelho também repetidos na cor da enorme cobra coral que estampava a fachada de uma casa que ficava quase em frente à nossa e na mesma rua da sede da confraria.

Saravá meu Pai, Seo Cobra Coral, mestre que ensina sobre a evolução humana e o ciclo da espiritualidade, da morte e vida. Ciclo também representado pelo “oroboro”, onde a cobra devora o próprio rabo, olhando o passado, retomando o caminho para o futuro e representando a eternidade.

Ao lado de Cachoeira fica a cidade de São Félix e as duas são separadas pelo rio Paraguaçu. Em seu leito conhecemos a “pedra da baleia”, um local cheio de axé, onde historicamente os terreiros realizam suas entregas para Oxum. Diz-se até que Mãe Menininha do Gantois vinha de Salvador para fazer ali as suas entregas.

Quando a maré está baixa e o rio segue em direção ao mar, a pedra surge como a figura de uma baleia mergulhando, os rituais são então realizados e as oferendas depositadas sobre a pedra. Quando a maré sobe, Oxum vem e recolhe as oferendas com suavidade e doçura enquanto o rio serpenteia em direção ao interior.
Aieiê Oxum, Cinda é cobra coral.

JULIANA AKEL
CACHOEIRA, BAHIA, BRASIL

Em Cachoeira respirei liberdade! A tão sonhada liberdade de credo. Ter fé, o único pré-requisito.
No meio da praça, pais de santos paramentados, pontos em Iorubá e todo “o mundo” cantando.
Uma procissão católica, cheia de magia, cheia de gente de Santo. Guias e crucifixos, sinos e adejás.

Saravá nosso Brasil.

Amém, Bahia de Todos os Santos.

ALESSANDRA RODRIGUES
QUEM É QUE SABE “AVALUÁ” O QUE É A BAHIA?

Respondo ao meu título: Só quem esteve lá!

Oxe meu rei… O que foi estar na Bahia?! Meu deus quanta alegria! Tem coisas que só vivendo para saber, pois palavras não descrevem, mas eu tento.

Desde que soube da Festa da Boa Morte queria muito ir, me encantava com as histórias que eu ouvia de quem já tinha ido até lá e a vontade só aumentava. Quando houve só a sombra da possibilidade de ir eu não pensei duas vezes! E seguindo o conselho de Dorival Caymmi eu fui até a Bahia! E realmente, quem vai ao Bonfim, nunca mais quer voltar.

Juro que nunca imaginei me emocionar com igrejas, mas a história que elas carregam e o sincretismo que se mistura com o que nós conhecemos no terreiro são muito fortes. Cada momento que passava eu reconhecia alguma coisa. E o que mais me encanta é a tolerância entre duas religiões, que às vezes vemos entrar em conflito.

É uma terra de muito axé, muita alegria e muita história. É mágica! Lá tive o prazer de conhecer faces da nossa religião que nunca imaginei ver, e na minha percepção, mesmo as diferenças que têm de um ritual ao outro, isso é o que nos une muito mais!

Pois o axé é o mesmo e na música a gente se entende bem. Se eles ficaram encantados com a nossa gira, imagine nós com a curimba deles. Que mesmo de maneira informal, numa tarde de sol e regada de improviso, nos foi mostrada da maneira mais emocionante e incrível. Se tivéssemos combinado talvez não tivesse rendido tantas risadas, sorrisos e emoção.

Foi uma semana, que no meio de procissões, cortejos e missas, adormeci com o som de atabaques e sambas que ecoavam na cidade de Cachoeira. E eu só pensava: “Onde e quando nessa vida eu viveria isso e tudo que já presenciei se não viesse pra cá? ”

A viagem foi turística-religiosa, foi uma lavada na alma e um aprendizado. Afinal de contas, mergulhamos numa cultura diferente da nossa, o que nos foi mostrado a cada passeio, a cada visita, a cada almoço. E não há quem diga que a viagem e as experiências não marcaram, pois, o axé de Cachoeira e da Bahia ecoam em mim até hoje, nem que seja no “quem é que sabe avaluá. ”

Saravá!

MÃE ANA PAULA OLIVEIRA
SALVE O POVO DE SANTO, SALVE A UMBANDA

A ida a Cachoeira foi uma viagem especial. Primeiro, por estar com a minha corrente, meu povo de fé e segundo por sentir a Umbanda tão intensamente.

Lá tive a oportunidade de entender como a Umbanda resgata nossa história em cada gira, praticamente todos os dias, diante da presença de nossos guias. São eles nossos ancestrais, que através de seus ensinamentos e palavras simples nos contam sobre nossa raiz brasileira.

Vi e me encantei com a liberdade de um povo, filhos do açoite, fato vergonhoso da nossa história, mas que hoje podem expressar sua fé no seu modo de vestir, no branco, no colorido de suas guias, na sua música que saía das caixas de som, das casas, da esquina, da praça, a qualquer tempo.

Essa liberdade de expressão religiosa, acredito ser um ensinamento dos mais relevantes para o momento em que estamos vivendo. Fui em busca de entender o sincretismo religioso e encontrei a Umbanda Pés no Chão viva dentro de mim nas terras dos nossos caboclos brasileiros.

Salve o Povo de Santo. Salve o Terreiro do Pai Maneco. Salve a Umbanda. Axé.

TERESA CRISTINA CORTEZ
UMA ANALOGIA MUITO FORTE

Sincretismo
1. fusão de diferentes cultos ou doutrinas religiosas, com reinterpretação de seus elementos.
2. síntese, razoavelmente equilibrada, de elementos díspares, originários de diferentes visões do mundo ou de doutrinas filosóficas distintas.

A experiência da viagem a Cachoeira tem uma analogia muito forte com os significados do nosso amigo dicionário. Um grupo formado por elementos díspares com diferentes visões do mundo, de realidades e idades diferentes, mas unidos pelo mesmo desejo, o de vivenciar a diversidade cultural da Festa da Nossa Senhora da Boa Morte.

Todos em busca de uma experiência cultural e espiritual que a Umbanda nos desperta por paixão e crença, e que foi muito rica de informações, de pessoas, de espiritualidade, de música.

Um encontro com as raízes das religiões afro-brasileiras que celebramos com alegria e novos amigos. Os nossos orixás agradecem e com certeza todos nós filhos de Umbanda e irmãos de corrente do Terreiro do Pai Maneco.

Hoje sabemos um pouco mais como “avaluá” o amor de uma Mãe! Valeu Lucilia!

ALINE FERIGNAC
MORTE?! É A VIDA QUE LÁ SE COMEMORA. EM PROCISSÃO!

Aldeia Itinerante. Boa Aldeia Itinerante. São os Filhos de Fé na Boa Morte!

Morte?! É a Vida que lá se comemora. Em procissão!

Na figura de Nossa Senhora, Bendita, Serena e Deitada, demonstrando que a maior dor da vida para o homem, que é a perda, pode ser suportável. Mostrando que não existem privilegiados, mas existe sempre um objetivo maior a ser alcançado.

E depois, ainda a procissão. E ainda mais Bendita do que nunca, Nossa Senhora, suspensa aos Céus, pairando sobre nossas cabeças, mostrando que o objetivo maior a ser alcançado é, e sempre será, para um bem maior e comum a todos. Enxergar no meio das lágrimas é o verdadeiro privilégio. Para quem tem fé.
Um amor de Mãe, que somente ela sabe avaliar. À nós, receber. E apreender. E repassar!

E a Aldeia esteve lá …

No encontro com Seo Sultão das Matas. Com aquele sabor de coisa inédita, embora revelando o que já sabíamos: o amor dos Orixás por todos os seus Filhos.

Sentimento este, que nos remeterá sempre, aonde quer que estejamos, às raízes de Seo Akuan.
É Seu Sultão reconhecendo na força do seu canto o quanto somos queridos. Fomos descobrindo o insondável, conhecendo lugares sagrados e assim, vivenciamos momentos mágicos. Com a alegria de criança, que reconhece o aconchego, mesmo estando longe de casa.

E um grande sábio disse um dia, que para a espiritualidade, não existem fronteiras, nem tempo e nem espaço.
Diante da dedicação incondicional deste mestre, hoje no reino da Aruanda, podemos entender a complexidade das coisas, explicadas de forma singela, para serem bem compreendidas.

E ele também esteve lá!

E como bem ensinou o cavalo de Ogum à sua aldeia, caminhamos e aprendemos sem orgulho e sem julgamento. E reaprenderemos sempre que for preciso.

E no compasso dos atabaques, na força dos pontos, na energia do movimento, trabalhamos!

Ah! E como trabalhamos!

Com a força e sabedoria da linha dos baianos.

Com a mandinga de Seo Zé.

Com a presença constante e humilde dos pretos.

Com os índios, com os eres, com os exus e pombinhas lindas.

Nestes dias felizes que passamos juntos, aonde tudo era uma grande festa, nem percebemos o quanto, mas todos eles estavam lá!

Estavam na malemolência do samba, no sol quente de dar preguiça, na natureza exuberante, no sorriso do povo.

Promovendo os encontros, os reencontros, a alegria.

E assim, contagiados e contagiando corações diante da amizade sincera, cumprimos o objetivo da Umbanda.
Tudo de forma simples. Tão simples quanto um samba de roda. Mas tão bem articulado, que sem perceber, estivemos (e ainda estamos) cada vez mais nos modificando, crescendo e levando adiante a bandeira de Oxalá.

E brincando assim, reinventamos tudo o que já existia. E tudo isso é uma deliciosa e antiga novidade!

Sarava!

GABRIEL MAFRA DE OLIVEIRA
EXPERIÊNCIA INDESCRITÍVEL! SALVE A BAHIA!

Experiência fantástica na Bahia! Já tinha ouvido falar muito bem sobre a Festa da Boa Morte e da cidade de Cachoeira, e realmente é muito bom!
O sincretismo que pudemos acompanhar na cidade com a festa, e, principalmente, com nossos irmãos de fé, com quem tivemos a oportunidade de tocar e cantar juntos, foi simplesmente fantástico! Tivemos uma gira sensacional aos pés da cachoeira que foi linda, de lavar a alma!
Além disso, conhecer Salvador que é uma cidade linda com pontos turísticos maravilhosos e a Bahia, terra onde viveram muitos de nossos guias da Umbanda, foi demais!
Realmente eu pude “avaluá” que baiano é povo bom!
Experiência indescritível! Salve a Bahia!

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