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Memória Escrita

por Renato Coradini

Para quem não a conheceu, Carmen Silvia foi capitã do Terreiro do Pai Maneco durante muitos anos. Hoje, após seu desencarne, é saudada na abertura dos trabalhos, merecidamente, como Mãe Carmen Silvia de Ogum.

Quando encarnada, um dos pontos fortes da sua mediunidade foi a excepcional vidência. Até hoje, não conheci nenhuma pessoa com tamanha capacidade mediúnica.

Era muito comum, aos domingos, encontros na casa do Pai Fernando para falarmos sobre Umbanda. Como tínhamos a presença de nosso pai de santo, muitas vezes ele pedia para Carmen falar sobre os espíritos que se encontravam no local. Assim, alguns espíritos se revelavam, faziam pedidos e até contavam suas histórias. Tive a felicidade de participar de alguns desses encontros e, entre várias histórias, presenciei uma passagem muito linda, que irei, resumidamente, relatar.

Em um dos nossos encontros, nos reunimos na casa da Carmen. Estávamos conversando e Pai Fernando perguntou a ela:
– Carmen, que espírito é esse que está aí?
– Pai Fernando, não sei!
– Descreva o espírito Carmen, pois você está o vendo.
– Bem, ele é alto, magro, rosto fino e vai me mostrar onde ele mora.
– Se concentre então, Carmen.
– Ele mora no alto da torre de um castelo.
– E o que mais?
– Ele é alquimista!
– Quem é ele?
– Ai, Pai Fernando, que responsabilidade! – Comentou Carmen um pouco insegura.
– Vamos, Carmen, quem é ele?
– Ele me falou que é Seu Morcego
Pai Fernando sorriu e confirmou para ela que era isso mesmo.

Como médium e capitã, sempre foi muito dedicada e fiel aos princípios do Terreiro do Pai Maneco. Quaisquer que fossem os pedidos feitos a ela, por espíritos ou pelo Pai Fernando, ela imediatamente os cumpria, sem questionar absolutamente nada. Sua dedicação, disciplina, fé, respeito aos espíritos, cumprimento às leis de Umbanda, força e a grande devoção ao terreiro e ao Pai Fernando eram pontos marcantes dessa grande guerreira de Ogum.

Ela lutou, durante 10 anos, contra um câncer que lhe causava intensas dores pelo corpo e lhe rendiam horas diárias de quimioterapia. Nesta fase, os amigos mais próximos estavam cada vez mais ligados a Carmen Silvia, dando força e apoio. Assim, por muitas vezes a acompanhei ao
médico e nas sessões de tratamento. E ela sempre era recebida com grande carinho e amor pelas pessoas.

A vidência da Carmen era tão apurada que ocorriam, algumas vezes, confusões engraçadas. Como o fato de ela gritar, no banco do passageiro, para eu ter cuidado e não atropelar alguma pessoa que passava em frente ao carro – sem perceber que a tal pessoa já era um  espírito desencarnado.

Carmen era muito correta e cuidadosa em suas palavras e, mesmo com toda a vidência que tinha, sempre recorria aos conselhos e a experiência de seu pai de santo. Pai Fernando sempre lhe aconselhava a acreditar em sua intuição e vidência, mas ela sempre recorria a ele para checar se estava fazendo tudo certo.

Em todos os anos de convívio, Carmen nunca se prevaleceu de sua mediunidade em benefício próprio. O sorriso e o brilho nos seus lindos olhos azuis eram características marcantes. Ela era tão “caxias”, que até para desencarnar pediu permissão ao Pai Fernando. Como? Vou contar!

Carmen estava em coma no hospital e, em um desses raros fatos, ela incorporou na Cris Mendes e pediu permissão para Pai Fernando, alegando que não aguentava mais as dores carnais. Pai Fernando apenas disse: “Carmen, isso é uma decisão sua. Minha permissão está concedida”. Assim, na madrugada seguinte, Carmen Silvia desencarnou deixando seu exemplo de força, fé e dedicação para todos que conviveram com ela.

Minha amiga, obrigado por tudo. Saravá Mãe Carmen Silvia de Ogum!

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